Entrevista

Cummins: euforia moderada.

Luis Pasquotto fala das estimativas para 2018 e das ações da empresa nas áreas de powertrain e eletrificação

Entrevista a Alzira Rodrigues e Décio Costa | autoindustria@autoindustria.com.br

Luis Pasquotto, presidente da Cummins Brasil e vice-presidente da Cummins Inc., tem fortes motivos para seguir cuidadoso com projeções de desempenho da indústria automotiva, especialmente a de pesados. Não faz muito tempo, sustentado por estimativas que sopravam antes mesmo da crise arrastar o setor, teve de abandonar projeto de uma nova fábrica que a empresa planejava no interior de São Paulo. Na ocasião, o caso lhe tirou o sono e ainda teve de engolir insinuações de falta de ousadia.

O tempo mostrou que a postura foi correta. Certamente, a empresa teria muito mais problemas do que ter de enfrentar a tempestade que se avizinhava, bem mais forte do que se imaginava. Em entrevista exclusiva ao AutoIndústria, o executivo conta porque vale apostar no “moderadamente otimista”, além das ações da empresa em eletrificação e na parceria de Cummins e Eaton para entregar solução completa de powertrain.

Na Fenatran do ano passado, sua expectativa com relação à retomada do setor automotivo era mais contida. Hoje, após os resultados obtidos do fim do ano passado para agora, suas estimativas continuam iguais?

Estou mais otimista do que na época da Fenatran. O mercado avançou mais do que o previsto e as encomendas também aumentaram. A Cummins encerrou 2017 com 32 mil motores produzidos. No ano anterior tinham sido 27 mil. Este ano, projetamos produção pouco acima de 40 mil, um crescimento de 25% a 30%, mais centrado nos 25%.

Esse é o índice de crescimento que a indústria de caminhões está esperando, mas não faz muito tempo o senhor se mostrava sempre mais otimista que o mercado em geral. O que aconteceu?

No passado eu era mesmo. Mas teve a crise e, confesso, que a mudança não foi consciente. Um exemplo foi o terreno que compramos em Itatiba (SP) para construir uma nova fábrica, mas que tivemos de desistir em 2014, em um momento que nem se falava em crise. A estimativa era de um ajuste no começo de 2015 para tudo voltar ao normal. Um estudo interno, porém, revelou que a crise seria mais forte e duradoura, portanto com a recomendação de parar o projeto. Lembro que na época as vozes dos bastidores diziam que não éramos arrojados e que tínhamos de ser ousados. Isso me tirou o sono. Mas o tempo mostrou que estávamos certos. Talvez daí o impacto em expectativas mais moderadas.

Ao que o senhor atribui a melhoria tão rápida do ambiente de negócios do atual momento?

São vários fatores. A confiança do consumidor aumentou. Isso é muito teórico, mas é fato. Tenho a impressão que a crise política anestesiou a população. Os sucessivos escândalos tornaram as pessoas menos sensíveis. Depois, em um aprendizado que tive com os colegas da matriz, crises têm duração. Pode até não melhorar a economia como um todo, mas há limite para as empresas do que elas podem cortar. Deixam de fazer manutenção, de comprar peças, de comprar caminhão, mas chega uma hora que não dá mais, o caminhão quebra, os gastos aumentam, a eficiência cai. Isso não explica tudo, mas ajuda a entender um pouco o momento de agora. Acho que isso vai continuar, mas temos uma eleição pela frente e, a depender do resultado das pesquisas, podemos ter risco de uma arrefecida, com a espera do mercado para ver o que vai acontecer.

O aquecimento acelerado do começo ano pode explicar uma possível antecipação de compra em função da indefinição que pode trazer a eleição?

Pode ser, mas não consigo ver um frotista pensando dessa maneira.

E como a indústria encara essa indefinição de cenário para o segundo semestre?

No nosso caso, há oportunidades, estamos ganhando mercado com a unidade de geração de energia. É o clichê do copo cheio, copo vazio, mas não creio que viveremos o que vivemos no passado recente. O pior cenário seria parar com essa taxa de crescimento e estabilizar com os índices atuais.

Como a Cummins se preparou para acompanhar o aquecimento do mercado?

De janeiro até agora já efetivamos 40 trabalhadores e outras 70 pessoas em regime temporário. Ao todo somamos perto de 1.600 pessoas. Hoje trabalhamos de segunda a sexta-feira e, dependendo da linha, em dois turnos.

É uma realidade bem diferente do primeiro semestre do ano passado…

Sem dúvida. A tendência é boa e quando a tendência é boa as coisas vão se somando. Não estamos eufóricos, mas moderadamente otimistas.

Neste novo cenário, qual é o desempenho das exportações da Cummins e como elas têm influenciado no resultado da empresa?

Temos aumentado a exportação de componentes. Na nossa empresa é difícil dizer que vamos começar a exportar para Europa, por exemplo, não competimos internamente. Nosso sistema é diferente. Somos medidos pelo que fazemos de negócios para a Cummins, não para a fábrica. Uma venda de filtros, por exemplo, para um cliente local. A sua produção é mais barata no México, mas o mérito da venda é do Brasil. O pessoal do México não vem competir aqui, mas é nossa decisão mandar a produção para lá.

A Cummins do Brasil tem conseguido preço mais competitivo?

De motor é difícil. Existe uma estratégia de suprimentos da Cummins que é ter vantagem próxima dos clientes, com flexibilidade. Muitas vezes o cliente muda o pedido pouco tempo antes da entrega. Imagina trazer motor da China e no meio do caminho o cliente alterar a encomenda? Não trabalhamos com essa política para além do Mercosul. O que fazemos, sim, é embarcar componentes. Mas também só depois da crise, que nos forçou a fazer trabalhos imensos de redução de custos, além do câmbio, que colabora. Hoje, por volta de 25% do faturamento são provenientes das exportações de componentes, como blocos, cabeçotes, filtros, geradores. Motores completos vão para a Argentina, basicamente, porque seguem para montadoras.

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Recentemente a Cummins anunciou a criação de uma unidade específica para tratar de eletrificação. Há reflexos por aqui?

Há tanto uma euforia exagerada quanto ao ritmo da eletrificação quanto também a ideia de que em países emergentes, principalmente da América do Sul, a eletrificação ficará para bem depois.  Acho que nenhum dos pontos estão certos. As coisas aqui acontecerão mais rápido do que os analistas acreditam, mas também mais devagar do que os eufóricos acham. Para falar em eletrificação tem que segmentar o mercado. Ela deve ocorrer mais rapidamente nos segmentos leves e demorar mais para entrar em caminhões médios, pesados, por questões como custo e densidade de energia. É importante dizer que vamos continuar a investir fortemente nos motores a combustão. Por muito tempo ainda será a solução mais sustentável para a cadeia dos pontos de vista econômico, social e ambiental, mesmo porque o diesel é muito diferente do de vinte anos atrás, bem mais limpo. Agora, a Cummins também pensa no futuro para oferecer a tecnologia certa, no momento certo, seja qual for a solução: diesel, gás, elétrico, híbrido e célula de combustível.

Qual é o status atual da joint venture anunciada entre a Cummins e a Eaton?

Nos Estados Unidos, a operação já está abastecendo clientes. Por aqui, começa com uma parceria comercial. Cummins e Eaton juntas têm um valor inestimável, a montadora não precisa colocar sua engenharia para trabalhar no motor de um fornecedor e a transmissão de outro, passamos a entregar um pacote completo. Ainda há processos para discutir como vamos atuar, mas certamente exploraremos sinergias. De qualquer maneira, a operação facilitará para a montadora na hora de desenvolver um veículo, proporcionando redução de custos e menos complexidade. Mas daqui para frente todo câmbio automatizado da Eaton será desenvolvido em parceria, não necessariamente aqui.

O senhor participou das reuniões de discussões a respeito do Rota 2030. Qual é a sua expectativa, o programa sai do papel?

É uma incógnita. As discussões continuam, não mais em reuniões semanais, mas simplificadas em cinco, seis grupos. E a questão de incentivo à pesquisa, que era a grande reinvindicação, acho que não sai. Tive recentemente no Sindipeças e lá também ninguém sabe o que vai acontecer e quando.

A Cummins acaba de doar uma escola completamente reformada para o governo do Estado de São Paulo. Como exatamente funcionam as ações sociais da empresa? Que prioridades as norteiam?

O conceito de valores na Cummins é realmente uma verdade e começa no topo da empresa, no dia a dia do comando. Para resumir, hoje a empresa atua baseada em cinco valores: Integridade, Excelência, Trabalho em equipe, Zelo e Diversidade e Inclusão. Falo sempre que muitos vêm para a Cummins por causa causa dos valores e cultura. Não posso dizer que vim por isso. Cheguei na Cummins em 1992 por outras razões, mas posso dizer que deixei de sair por isto. Nosso sistema aqui de fazer responsabilidade social não é filantropia. Não adianta somente uma doação. Queremos é que o funcionário se envolva. A escola é um exemplo e o legal é que 20% dos funcionários, 300 pessoas, participam de alguma maneira, dão aulas, por exemplo. Eu, particularmente, quando cheguei à presidência, coloquei uma meta de que 85% dos funcionários façam uma ação social todo o ano. Nos últimos anos temos atingido 92%, ou seja, durante o ano 92% dos nossos funcionários praticam uma ação social de pelo menos quatro horas. Não obrigatório, mas estimulamos a fazer. Para nós, a responsabilidade corporativa é uma disciplina como marketing, engenharia e finanças.


Foto: Cummins/Divulgação

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Décio Costa

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