João é um sujeito puro. Torce para um desses alvinegros da vida, assiste ao jornal na TV onde também vê os jogos do seu time e os documentários sobre animais. Adora ler e seus livros preferidos são Relatos de um Náufrago, de Gabriel Garcia Marquez e Enterrem Meu Coração na Curva do Rio, de Dee Brown.
Por coincidência, sua mulher é a Joana, professora de cursinho, outra grande figura. São dois seus filhos, Mariana e Pedro, gêmeos. O casal mora em um apartamento de três quartos num bairro de classe média e tem um carro também de classe média. De dois anos atrás, impecável. Único dono.
Redator em uma agência de publicidade, João é dono de uma grande criatividade, sempre atento aos movimentos do mundo. E talvez esta sua criatividade tenha sido a causa de seu maior dissabor. Certa manhã, no caminho da agência, se deparou com algo ainda novo para ele. Parado no sinal (semáforo/farol/sinaleira) foi abordado por dois meliantes armados que lhe pediram para entregar tudo. Todos nós sabemos como é isso.
João olhou para os bandidos e falou: poxa, por que vocês vieram pra cima de mim e não pegaram o cara da Mercedes (Mercedes-Benz). Ele deve ter grana de verdade. E lá se foram os caras pegar o motorista da “Merça”. Ao saírem correndo fizeram sinal de positivo pro João. O sinal abriu e João foi embora, tremendo mas aliviado por não ter perdido o celular novinho que ganhara de Joana no seu aniversário, na semana anterior.
Quase um mês depois, a cena se repetiu, como ela sempre se repete em centenas de cruzamentos da cidade de São Paulo. Os manos apresentaram seus “documentos” e gritaram: entrega tudo.
E João, de novo, apontou uma BMW que estava três carros na frente. Os bandidos assaltaram o motorista que tentou reagir e levou uns tapas, o que deixou João pesaroso, mas aliviado por não ter sido ele, que havia recebido naquele dia um novo cartão de crédito corporativo.
Essas cenas se repetiram algumas vezes mais e o João apontando motoristas de Audi, Fusion e Lexus. Todos modelos top.
Um dia …..
Um dia, naquele mesmo sinal, ele vê, pelo retrovisor, dois homens se aproximando e já procura um carro top na vizinhança. Nem deu tempo. Um de cada lado do carro, com arma na mão direita e um crachá de polícia na outra lhe deram voz de prisão.
João quase morreu de susto. Um policial entrou na frente, o outro sentou no banco traseiro e mandaram seguir para a delegacia. No pátio, João percebeu uns dois ou três carros de luxo e pensou, com seus botões, como devem faturar bem os caras dali.
Quando desceu do carro foi algemado e viu saírem da delegacia três sujeitos muito bem arrumados que apontaram para o carro do João e garantiram que aquele era o carro do chefe da quadrilha que assaltava ali perto do parque do Ibirapuera.
– Os bandidos iam até aquele carro e depois vinham assaltar a gente. Disseram em coro.
E assim, de repente, João, o honesto, virou chefe de quadrilha. Foi difícil convencer polícia e vítimas.
Agora João vai a pé pra agência, distante 6 km da sua casa.
E nunca mais viu os bandidos.
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