Na avaliação de Megale, o País precisa se preocupar mais com sua imagem no exterior
Por Alzira Rodrigues e George Guimarães | autoindustria@autoindustria.com.br
A cerca de oito meses do fim de seu mandato de presidente da Anfavea e com o Rota 2030 próximo de ser aprovado no Congresso, Antonio Megale diz que poderia — e pode — fazer bem mais pelo setor automotivo. O novo programa é obviamente um grande passo, mas apenas uma parte do que o Brasil precisa caminhar para estar totalmente inserido no contexto da produção mundial de veículos, segundo sua análise.
O Rota 2030, na opinião de Megale, apenas acendeu a luz para o futuro. “Quem tem capital precisa saber onde está investindo. A filosofia básica do Rota 2030 é essa: trazer visibilidade, transformar política de governo em política de Estado”.
Nesta entrevista exclusiva ao AutoIndústria o executivo destaca, por exemplo, as deficiências internas que prejudicam a competitividade do produto nacional. O Brasil, avalia, precisa simplificar a estrutura tributária, dar maior segurança jurídica às empresas e investir em infraestrutura. “Acho que o País não presta muita atenção à sua imagem no exterior”, diz o presidente da Anfavea, que vê como inevitável também o crescimento da oferta de carros híbridos e elétricos no mercado interno.
O Rota 2030 está finalmente em vias de ser votado no Congresso Nacional. O longo tempo transcorrido até aqui gerou frustrações no setor?
Realmente ficou todo mundo muito apreensivo e posso dizer que alguns investimentos até foram protelados. Havia uma série de questionamentos, dúvidas, mas finalmente ele está aí, saiu do papel. E, para as empresas, é melhor saber o que vai acontecer no futuro do que ter qualquer tipo de apoio mais imediato, pontual. O planejamento na indústria automotiva é longo, sempre para cinco ou dez anos à frente. Com o Rota 2030, acende-seu a luz para o futuro, o setor começa a ter horizontes bem definidos.
O programa ajudará a indústria brasileira a ter produtos iguais aos lá de fora?
Em produtos, acredito que já estamos muito próximos ao que existe em mercado mais maduros. Com o Inovar-Auto, avançamos bastante nesse sentido. A indústria investiu, em média, R$ 5 bilhões por ano em pesquisa e desenvolvimento ao longo do programa. Em crash-test frontal e traseiro, por exemplo, estamos em linha com os Estados Unidos e Europa.
De quanto será o investimento com o Rota 2030?
Temos de investir R$ 10 bilhões para ter R$ 1,5 bilhão de incentivos. É um valor similar ao que o governo desembolsou com o Inovar-Auto, só que agora as exigências são bem maiores para os fabricantes. Podemos até não chegar a esse valor de investimentos, mas daí o dispêndio do governo também será menor.
” A indústria investiu, em média, R$ 5 bilhões por ano em pesquisa e desenvolvimento ao longo do Inovar-Auto”
E como ficará a situação das montadoras de veículos premium, que vieram para cá atraídas pelo Inovar-Auto e desfrutavam de condições particulares? Por que isso não aconteceu no novo programa?
Essa questão ainda terá de ser discutida. É preciso ter uma regra especial para quem tem produção de veículos de baixo volume. Há disposição do governo, da Anfavea e dos fabricantes de encaminhar uma solução. Tanto que um grupo na nossa entidade ainda está discutindo esse assunto.
Dentre as emendas propostas ao Rota 2030, uma amplia de 2020 para 2025 os incentivos para as montadoras que estão localizadas no Nordeste. Qual é a posição da Anfavea a esse respeito?
É um regime local. Não cabe à Anfavea posicionar-se sobre questões regionais.
O senhor vê algum risco de o Rota 2030 não sair efetivamente do papel?
É uma possibilidade muito pequena. Sabemos que há uma série de coisas que têm de acontecer até lá. Falta o decreto que regulamentará o programa, portarias e a aprovação no Congresso Nacional. Se essa aprovação acontecer até setembro, o risco é zero. Se não, o risco aumenta um pouco. Mas pelo que sabemos só há uma MP a ser votada antes do Rota 2030 e, ainda assim, mesmo que eleseja votado somente depois das eleições, há tempo para o aval final do presidente.
O senhor acredita que não haverá, de fato, problemas no Congresso?
Não tem motivos para isso. É um programa que não prejudica o País, ao contrário, só ajuda. Os incentivos para investimento em P&D trazem uma série de obrigações que deixarão os carros mais seguros e eficientes. Nossos veículos terão itens nesses dois quesitos iguais aos que são regulamentados na Europa.
As exportações brasileiras de veículos ainda são quase que exclusivas para a América do Sul. Afinal, com o novo programa, há alguma possibilidade de, no futuro, carros brasileiros disputarem mercados como os dos Estados Unidos ou Europa, por exemplo?
Por que não? O Chile, até pouco tempo, só importava carro do outro lado do mundo. A partir do Inovar-Auto, ampliamos significativamente nossas vendas para o mercado chileno, que caminha para uma participação de 10% nos nossos negócios externos. Isso mostra que aumentamos nossa competitividade e que temos, sim, condições de exportar para outros mercados.
Ainda é preciso haver melhorias na produtividade para isso?
É essa a agenda que queremos encaminhar: a produtividade. Uma estrutura tributária mais simples seria fundamental nesse sentido. Durante os debates em torno do Rota 2030 até estudamos uma proposta de simplificação, batizada de Reauto. Mas houve algumas dificuldades e acabou não entrando no texto final.
“Esse é o pulo do gato: todo mundo terá de oferecer carros elétricos e híbridos para chegar lá [metas de eficiência].”
“E o carro autônomo? Tem espaço no Brasil?
Todas as empresas apostarão nisso mundialemente, não tem como ser diferente. Os próprios fornecedores de sistemas e autopeças acelerarão investimentos em tecnologia. No Brasil, contudo, o ritmo rumo ao carro autônomo será mais lento do que no restante do mundo. E mesmo lá fora, acredito, será mais devagar do que se previa. Aqui, em particular, vamos dispor de produtos alinhados com os dos demais mercados, mas não teremos tão cedo infraestrutura, estradas e volumes adequados.
A propulsão dos carros do futuro será apenas elétrica?
O híbrido é um passo para o elétrico e lá para frente acredito que a propulsão será mesmo elétrica. Estamos falando, é verdade, de algo bem mais para frente, são necessários ainda muitos investimentos em infraestrutura e também em tecnologia. A bateria ainda é um problema, convenhamos. Mas não acredito que ela seja a solução do futuro para gerar a eletricidade. Talvez a melhor resposta passe pela célula de combustível.
A queda da alíquota de IPI impulsionará as vendas e lançamentos de veículos elétricos e híbridos no Brasil no curto prazo? Hoje a oferta está limitada a duas ou três marcas apenas.
Sem dúvida! A oferta de elétricos e híbridos no País será maior já no ano que vem, não ainda não muito maior. De qualquer forma, para atingirem as novas metas de eficiência energética, definidas por decreto, será fundamental para as montadoras dispor desses produtos em seus portfólios. Esse é o pulo do gato: todo mundo terá de oferecer elétricos e híbridos para chegar lá.
Quando o senhor assumiu a Anfavea, em abril de 2016, obviamente elencou algumas prioridades para sua gestão. Conseguiu encaminhar todas?
Certamente não esperávamos que o Rota 2030 desse tanto trabalho. Temos ainda uma lista de prioridades para fazer pelo setor e pelo País e nem tudo pode ser encaminhado no ritmo que queríamos. Há questões como desoneração, simplificação tributária, inspeção veicular, logística. Neste último ponto até conseguimos avançar: a partir de um trabalho conjunto, o Ministério dos Transportes apresentará nas próximas semanas estudo sobre as principais rotas rodoviárias utilizadas pela indústria automotiva brasileira, o que permitirá priorizar investimentos. O que está por traz de tudo isso? Competitividade.
Nesse sentido, qual a importâncias das eleições presidenciais?
Qualquer que seja o novo presidente, ele tem de se comprometer com as reformas. Se não resolver o problema da previdência, por exemplo, terá agências de classificação de risco penalizando o Brasil. O País precisa simplificar a estrutura tributária e dar maior segurança jurídica às empresas. Acho que o País não presta muita atenção à sua imagem no exterior. Quem tem capital precisa saber onde está investindo. A filosofia básica do Rota 2030 é essa: trazer visibilidade, transformar política de governo em política de Estado.
Como o senhor avalia o comportamento do mercado interno no ano?
As vendas de 217 mil veículos em julho foram bastante razoáveis. E agosto começou aquecido, com média diária de quase 9,7 mil unidades, contra as 8,8 mil do início do mês anterior. Quando acabou a Copa do Mundo, o fluxo nas lojas aumentou bastante. Tanto é que na virada de julho para agosto cresceu o estoque das montadoras, mas reduziu o disponível nas concessionárias.
Mas o País enfrenta os mesmos problemas do primeiro semestre. O que mudou no pós-Copa?
Há algumas notícias boas: a Petrobrás voltou a dar lucro, a Vale do Rio Doce está num momento bom e o agronegócio, bombando.
Isso gera mais confiança?
Segundo o relatório Focus, na indústria e nos serviços a confiança já melhorou. A expectativa do consumidor também começa a ser mais favorável. O que abalou muito a confiança do brasileiro foi a greve dos caminhoneiros. A própria indústria teve de avaliar custos. O que precisamos é ter alguns anos de tranquilidade.
Foto: Divulgação/Anfavea
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