Entrevista

“A FCA será a montadora que mais dialogará com o cliente final”

Antonio Filosa, CEO na América Latina, fala dos planos da empresa na próximo quinquênio

Depois de consolidar sua operação produtiva em Goiana (PE) e de modernizar totalmente as veteranas plantas de Betim (MG) e de Córdoba, na Argentina, a FCA encaminha agora plano de investimento que, segundo o italiano Antonio Filosa, CEO do grupo na América Latina, resultará em uma empresa mais ágil, com renovado portfólio de produtos, veículos conectados e na maior plataforma de serviços dentre as oferecidas pelas montadoras na região. Em cinco anos, toda essa estratégia consumirá R$ 14 bilhões.

Filosa assumiu o cargo em março e desde então enfatiza que a FCA é a líder do mercado brasileiro somando as vendas Fiat e Jeep. “Somos uma empresa multimarcas”, justifica. Ainda assim, ele reconhece que os esforços mais imediatos serão também para elevar a participação da Fiat, que depois de figurar na ponta do ranking por mais de uma década, detém hoje participação em torno de 13%, a terceira maior. Movimento claro nesse sentido será o ingresso no segmento de utilitários esportivos com três modelos.

Nesta entrevista exclusiva ao AutoIndústria, o CEO detalha os muitos princípios que nortearão sua gestão e a operação latino-americana no próximo quinquênio. Por exemplo: embora não descarte pesquisas, os veículos híbridos e elétricos ainda não estão dentre as prioridades. Mas o desenvolvimento e incorporação de outras tecnologias estão assegurados após a aprovação do Rota 2030, assim como o programa que pretende levar para Pernambuco pelo menos três dezenas de fornecedores. “Só assim diminuiremos a desvantagem logística que temos por estarmos longe da maior base de fornecedores”, diz Filosa. (Entrevista a George Guimarães e Alzira Rodrigues)

 

A FCA apresentou no Salão de São Paulo o conceito Fiat Fastback, atualização do Jeep Renegade e tem anunciado uma série de lançamentos para os próximos anos. Qual papel  o senhor imagina que a empresa desempenhará no mercado brasileiro daqui a cinco anos?

A FCA será a montadora que mais dialogará com o cliente final e oferecerá o que ele deseja. Seja o cliente final uma pessoa, uma família ou uma empresa de qualquer natureza. Estamos agora nesse exercício de transformação. E o que esse público já deseja agora: conexão!  Daqui a cinco antes — e até antes disso — Fiat e Jeep contarão com a maior plataforma de serviços oferecida por uma montadora na América Latina.  Outro  desejo dos consumidores é o valor.

O que isso significa na prática?

Para as famílias valor é uma coisa, para empresas, é outra.  Uma família enxerga primeiramente no automóvel  o desenho. E seja em um Fiat ou em um Jeep, já temos soluções de design que, imodestamente, acredito que são únicas. O segundo valor que as famílias priorizam é a ideia de utilidade e funcionalidade dos veículos: então teremos carros cada vez mais versáteis e com consumos otimizados. As empresas, por outro lado, precisam fazer dinheiro com o carro. Necessitam de veículos com baixo consumo de combustível, conectados e que disponham de serviços que garantam que manutenção rápida e barata. E isso será garantido pelo Fiat Professional, programa que já no ano que vem terá cem pontos de atendimentos. Neles o horário de atendimento é estendido, a manutenção, customizada, e há carro reserva quando necessário. Hoje, um de cada dois clientes é uma empresa. Precisamos atender bem, assim, tanto as pessoas físicas brasileiras, argentinas, colombiana e peruana, como as empresas desses países.

O senhor revelou que FCA terá quinze lançamentos Fiat e dez Jeep neste ciclo de produtos. Já se sabe que a Fiat terá três SUVs. Dá para detalhar mais essa nova linha?

São produtos novos, atualizações de modelos atuais, séries especiais e produtos importados. Junto com isso o line up será enriquecido com novos motores, transmissões, infontainment e plataformas de serviços conectados. Quando falamos agora de lançamentos, não podemos pensar mais só em produtos, mas também nesses outros quatro pilares. A composição deles é que resultarão nesses 25 lançamentos. A Jeep terá produtos novos na fábrica de Goiana, atualização dos modelos correntes, motores e transmissões novos, além dos serviços. A Fiat passará por renovação importante na linha de picapes, entrada no segmento de utilitários esportivos e alguns exercícios estilísticos sobre os carros que já vendemos. Algumas dessas novidades serão conhecidas já no ano que vem, mas as mais destacadas em 2020.

 

“O Rota 2030 contém uma ideia de desenvolvimento de motopropulsão baseado no etanol e acreditamos muito nisso.”

 

A FCA não tem falado sobre veículos elétricos ou híbridos na América da Sul, como outras empresas. Não há planos para trazer essas tecnologias?

Em junho foi apresentado o plano de investimento global que já está sendo implementado pelo novo CEO Mike Manley com muito vigor. São  € 45 bilhões para os próximos cinco anos, sendo € 9 bilhões para novas tecnologias, dentre elas a eletrificação. É um desenvolvimento transversal, qualquer operação pode fazer uso dele. A operação latino-americana pode escolher, por exemplo, powertrains híbridos ou elétricos. Seguramente faremos testes de mercado e aprofundamentos nesse campo. Mas mais que hibridização ou eletrificação, regionalmente a nossa principal aposta é o etanol. O Rota 2030 contém uma ideia de desenvolvimento de motopropulsão baseado no etanol e acreditamos muito nisso.

 Um híbrido a etanol é viável?

Claro! O etanol é muito versátil, pode ser hibridizado com investimento não muito oneroso. E daqui a uns vinte anos, quando tivermos as células de combustível, ele será ainda mais eficiente do que outros compostos moleculares, já que suas moléculas não são tão ligadas e o processo de separação do hidrogênio exige menos energia. O etanol, portanto, não é só uma alternativa do presente, mas também do futuro, assim como o a eletricidade ou a célula de combustível. Já o híbrido acredito ser uma ponte até o elétrico. De qualquer forma, com uma escala de produção global de mais de 100 milhões de veículos ao ano, claramente há possibilidade de se ter um portfólio de motopropulsão variado: híbridos, elétricos, derivados de petróleo, etanol, células de combustível e quem sabe o que mais…

A FCA encerrou recentemente a produção de vários no Brasil, mas ainda trabalha com várias plataformas na planta de Betim.  Há uma orientação no sentido de reduzir o número de plataformas na América do Sul?

A racionalização de plataformas é necessária para competitividade de custos e focarmos  engenharia e pesquisa sobre o aprimoramento de cada uma delas. Quando se gerencia sete plataformas, o trabalho é mais disperso do que quando se gerencia um número menor. Em Pernambuco já temos uma plataforma apenas e Betim será racionalizada com movimento baseado nas informações da engenharia local. Estamos desenvolvendo a plataforma MP3, que será utilizada em muitos veículos pois é extremamente versátil, robusta e adequada às necessidades de segurança ativa e passiva, exigências de peso e novas tecnologias de motopropulsão.

 A MP3 será adotada na Argentina também?

Como disse, é uma plataforma que poderá servir a muitos modelos. A ideia é sim fazer algo único, mas a Argentina nasce como linha exclusiva do Fiat Cronos, que não é baseada na MP3.

 

“A Fiat será a marca mais ousada, mainstream, da América Latina.”

 

 O próximo lançamento da Fiat já será sobre essa nova plataforma?

O próximo já vai nessa direção, mas será ainda uma transição.

 A Fiat já liderou o mercado brasileiro por quatorze anos e hoje a FCA alega ter a liderança somando as vendas de Jeep também. Qual será a participação para as duas marcas após todo esse movimento?

Lá atrás, com a junção em 2009 de Fiat e Chrysler, começamos esse percurso multimarcas no mundo e que chegou em 2014 aqui com a fábrica de Goiana, a produção local de dois modelos Jeep e a constituição de rede de concessionários dedicadas às marcas. A lógica é caminhar com as marcas juntas e com produtos complementares. Claramente a vocação da Jeep é ter “jeeps”, não SUVs, que é o que as demais empresas fazem. Já a Fiat é a soma de carros de passeio, picapes e veículos comerciais. Agora chegou o momento de entrar nos utilitários esportivos. Então o nosso modelo de multimarcas passa por esse movimento. Hoje, juntando as duas marcas, já somos líderes de vendas e quando a Fiat entrar nos SUVs e tiver os novos produtos vamos crescer essa participação.

 Sergio Marchionne, ex-CEO mundial da FCA, afirmou que a Fiat será uma marca mais regionalizada, com forte presença na América Latina e atuação em nichos na Europa.  Qual será o papel da marca aqui?

Existem muitas marcas regionais, sejam nossas, sejam das concorrentes. A Dodge, por exemplo, é uma marca tipicamente regional. Assim como é a Fiat, que tem viés muito claro na Europa, no Brasil, na Argentina e no restante da América Latina. A Fiat será a marca mais ousada, mainstream, da América Latina. Fará isso entrando nos utilitários esportivos e, como disse antes, renovando produtos e investindo forte em infontainment e nos serviços conectados. E faremos isso rápido!

Todos os planos de investimento na região dependiam da aprovação do Rota 2030?

Sim. Essa era a única hipótese que norteava nosso trabalho. Achamos que um programa desse seja saudável e necessário para indústria e para o País. Se não fosse para frente, o plano de negócios teria de ser revisto.

 

“Levaremos para o Nordeste fornecedores com fábricas, engenharia, desenvolvimento, empregos… tudo o que todo mundo deseja! “

 

A extensão do regime automotivo do Nordeste muda alguma coisa nos planos para a fábrica de Goiana?

Lá temos nossa fábrica mais tecnológica e mais automatizada da FCA no mundo, já produzimos dois modelos Jeep e a picape Fiat Toro — e faremos mais produtos !! Trabalhamos desde sempre em um plano de negócio que era fundamentado sobre o programa integrado que vinha sendo discutido e que, claramente, é necessário para que os nossos negócios e o dos fornecedores sejam viáveis naquela região. Do contrário, teríamos sempre um gap logístico de 20% por conta da distância física da base de fornecedores. Vamos investir até R$ 8 bilhões em Goiana em linhas, capacidade fabril e desenvolvimento.  Como contornaremos esse gap? Atraindo fornecedores para lá. Por isso, já esperando a aprovação do Rota 2030, estávamos negociando com 38 deles.

Para instalação em Goiana?

Para o Nordeste. E com fábricas, engenharia, desenvolvimento, empregos… tudo o que todo mundo deseja! Pode ser que nem todos decidam ir, mas a maioria está muito interessada. Sinceramente, no momento em que o programa entrar em vigor, posso ir aos nossos acionistas e aprovar já a primeira ação para a  chegada de novas tecnologias lá. E talvez nem seja por meio de um terceiro, talvez nós mesmos que desenvolveremos dentro de casa.

Isso envolve ampliação da fábrica?

Envolve criação de linhas. Mas se o mercado for muito forte, até ampliação, por que não?

A Argentina passa por um momento econômico conturbado. Caso essa situação perdure, há algum risco de dificuldade de complementação de linha com o Brasil ou mesmo de desinvestimento lá?

Recessão econômica localizada nunca é um cenário favorável para investimentos industriais. Mas isso não vai abalar nosso plano, seja no Brasil ou na parte que tem a ver com a produção na Argentina. Quero lembrar que temos design aqui, engenharia aqui e uma fábrica lá. A Argentina, até mais do que o Brasil, é cíclica: sai de uma recessão com a mesma velolcidade com que entra, pois tem trabalho qualificado, boa educação média, muitos recursos e um parque industrial e de fornecedores que, se não é tão grande como o brasileiro, é interessante. Então ela vai sair da crise.


Foto: AutoIndústria

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George Guimarães

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