Responsável pela operação da fabricante de veículos comerciais para a América do Sul conta como a marca encerrou 2020 em crescimento e as razões para seguir em alta
Dia 21 de março de 2020 certamente será inesquecível para Márcio Querichelli. Naquele sábado, ele tinha malas prontas para segunda-feira, 23, assumir o comando da operação sul-americana da Iveco, o que inclui mercados da América Central e Caribe, na sede da marca em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A pandemia da Covid-19, no entanto, cancelou o voo de São Paulo e alterou planos. “Desde então é de casa mesmo que temos trabalhado a maior parte do tempo”, revela bem-humorado.
A rotina mudou, mas o imprevisto e a distância parecem não ter impedido Querichelli de liderar ações que promoveram resultados positivos à empresa. No ano passado, a companhia foi uma das poucas fabricantes de caminhões a registrar crescimento em um mercado em queda, impactado pela crise sanitária. Também, após uma grande reestruturação e ajustes na rede em períodos anteriores, acelerou o passo na expansão da cobertura de atendimento. Ainda liderou vendas na Argentina e avançou em negócios inéditos com alternativa do gás.
Alçado para ser a principal voz da região no processo iniciado pela CNH Industrial de criar operações de veículos comerciais rodoviários e fora de estrada independentes, Querichelli não deixa de revelar exaltação ao definir o atual momento da empresa como mágico, ainda que só verbalizado entre parceiros de trabalho e nos domínios da companhia.
No ano passado, a Iveco apresentou um crescimento nas vendas de caminhões de 30% enquanto a média do mercado encerrou o exercício em queda de 11%. Qual é a análise que o senhor faz do bom momento pelo qual passa a empresa, mesmo em meio às dificuldades impostas pela pandemia?
Apesar da tragédia humanitária, foi um ano excepcional para Iveco, mostrando que estamos em uma direção interessante. O resultado, obviamente, não vem dos últimos meses. Primeiro, passa pelas pessoas. A Iveco tem uma equipe baseada na diversidade, composta de profissionais capazes de quebrar paradigmas e trazer inovações. O time traz experiência de diversas marcas e conhecimento de produtos e de mercado.
Um segundo ponto, é o nosso portfólio, uma linha de produtos completa que permite ajustar a nossa ofensiva de mercado de forma específica para cada segmento ou cliente.
Um terceiro elemento é a rede de concessionários. O crescimento no ano passado para 77 pontos de atendimento mostra que a marca está se tornando cada vez mais atrativa para o investidor e a forma com que estamos trabalhando com ele está funcionando bem, a sinergia está sendo muito positiva. Comentamos internamente que é um momento mágico para a companhia, um momento de retomada.
A Iveco mostrou em 2020 desempenho positivo em todas as categorias, com exceção na de caminhões pesados, segmento que detém a maior participação nas vendas. O que impediu maior representatividade nesta faixa do mercado?
Na América do Sul tínhamos participação 15,9% no segmento de leves e saltamos para 19,7%. No de médios, crescemos quase três vezes, saímos de 2,7% para 7,4%. No caso de pesados, também crescemos, mas não tanto quanto nos outros segmentos. Ainda assim passamos de 6% para 6,9% de participação.
Ocorre que fizemos lançamentos importantes que ajudaram a alavancar o nosso negócio, como a nova Daily, que começou a chegar ao mercado no início do ano passado. O veículo foi extremamente bem aceito e já mostra uma curva de crescimento fantástica. Também na linha Tector, as versões de 9 e 11 toneladas tiveram o primeiro ano cheio de vendas em 2020.
No segmento de pesados ainda não lançamos um produto inteiramente novo, mas estamos confiantes no Hi-Way e Hi-Road, nos quais investimos em atualizações técnicas. Acabamos de lançar para os clientes que compraram veículos entre 5 e 6 anos atrás uma atualização de componentes que melhoraram o desempenho e a maior parte recebeu sem custo.
Acreditamos que para 2021 o resultado em caminhões pesados será mais positivo. Na medida que estamos investindo nos produtos atuais para fidelizar e manter o relacionamento com os clientes, também trabalhamos na nova geração de produtos Euro 6 que requer investimento grande para podermos nos manter competitivos no mercado.
O S-Way não seria uma opção para melhor disputar o mercado de caminhões pesados?
O S-Way faz parte do nosso portfólio de produtos na Europa, mas estamos muito satisfeitos com as atualizações técnicas feitas no Stralis com as versões Hi-Road e Hi-Way e com a receptividade dos clientes. O modelo é extremamente adequado às aplicações do nosso mercado e com ele iremos por mais alguns anos. O S-Way, claro, faz parte do futuro e deve estar alinhado com as mudanças de emissões.
A Anfavea negocia com o governo um adiamento das novas normas de emissões para 2023. Qual é o posicionamento da Iveco?
Nossa visão do pedido de postergação para o início do Euro 6 é a mesma da Anfavea. Acreditamos que mais eficiente do que trocar um veículo Euro 5 por um Euro 6 é tirar das ruas caminhões de 20, 25, 30 anos e substituí-los por veículos com uma tecnologia mais moderna. A renovação veicular deveria ser a prioridade número 1 das autoridades, seria o caminho mais rápido e eficiente para melhorar a qualidade do ar.
A mudança do Euro 5 para o Euro 6 é brutal, ao contrário do que alguns possam imaginar. Não é simplesmente trazer o veículo que foi desenvolvido para Europa. Não se trata somente de emissões, mas todo o pacote tecnológico. O veículo precisa ser testado, aprovado, validado por toda a nossa engenharia.
A crise atual também não é único elemento para a necessidade de adiamento. O investimento feito para o Euro 5, lá em 2011, ainda não se pagou. De lá para cá, tivemos diversas crises que colocaram o País no fundo do poço. A partir de 2017, quando começou a melhorar, surge mais uma turbulência que rompe com a trajetória de recuperação. Não será saudável para a indústria mais um investimento nesse momento. É fundamental que a renovação tecnológica aconteça por aqui, mas há outras prioridades neste momento.
No fim do ano passado a Iveco ampliou o quadro de funcionários em Sete Lagoas e iniciou 2021 com mais um anúncio de contratações, o que indica que a empresa espera um aumento de demanda. De onde virão as oportunidades em 2021?
Estamos muito otimistas em relação a 2021. Por enquanto, a contratação desses 478 colaboradores é temporária. Mas torço muito para que a gente consiga efetivá-los. Essas vagas fazem parte de um grupo de 750 pessoas anunciadas em um período curto, entre outubro e fevereiro. Ajustando um pouco aqui e ali, temos muita confiança de que de fato este será um ano muito bom para a Iveco. Estamos nos programando para um aumento de demanda importante e acreditemos que o País retomará o crescimento.
O agronegócio deverá seguir como destaque e os nossos pesados aprimorados com as atualizações para entregar um custo total de propriedade reduzido se encaixam no segmento. O cliente pode ter certeza de que, ao longo de toda vida útil, o veículo será rentável com alto nível de disponibilidade. O aumento das entregas nas cidades também impulsionará a demanda de leves e médios.
Não costumamos fazer projeções por ser uma questão mais estratégica e, mesmo porque, estimativas quase sempre estão erradas, principalmente no Brasil, que oscila o tempo inteiro. Mas com prudência estamos dando um passo de cada vez junto com nossos fornecedores. Claro, estamos diante de um cenário de riscos, com diversas questões abertas, desde o processo de vacinação às recentes mudanças em Brasília (DF) que, esperamos, possam levar adiante as reformas necessárias para alavancar a economia do País.
Ao mesmo tempo em que a Iveco se programa para aumento na demanda, a indústria tem enfrentado dificuldades em relação à falta de insumos e componentes. Como a companhia tem enfrentado o gargalo?
É um jogo de xadrez. Ao mesmo tempo que precisamos entender a demanda crescente de mercado, precisamos também fazer com que a fábrica esteja preparada. O desafio é enorme, mas estamos conseguindo superá-los com os parceiros. Cabe lembrar que a Iveco pertence à CNH Industrial, que permite ter muitos fornecedores em comum para todas as suas marcas, resultando em sinergias que garantem volumes de produção e preços competitivos.
Nesse jogo de xadrez tem peças importantes faltando, capazes de interromper a produção, por exemplo, componentes eletrônicos?
Com relação a eletrônicos, cada vez mais sentiremos que a concorrência é o celular ou o computador, principalmente porque a indústria segue caminho em direção aos veículos de emissão zero e os componentes passam a ser cada vez mais comuns. Tem o problema dos semicondutores, que tem afetado as montadoras em todo o mundo. Mas no caso da Iveco o fornecimento está sob controle até um determinado período. Há uma influência maior na Europa, em função das características dos veículos de lá, mas no Brasil ainda não nos afeta tanto, o que não quer dizer que não precisamos ficar atentos. Acontece, às vezes, de o fornecedor de fora não conseguir produzir o volume que precisamos, provocando alguma turbulência na cadeia produtiva. Janeiro foi um pouco mais complicado por causa das férias, mas fevereiro voltamos com a corda toda para repor os volumes necessários.
Uma das bandeiras da Iveco no mundo é o gás como combustível para o transporte. Recentes negócios nesta direção foram feitos no Argentina e no Chile. O transportador brasileiro também pode esperar um caminhão a gás para breve?
Nos últimos dez anos, antes de chegar a Iveco, me dediquei aos países da América Latina, principalmente Chile, Peru, Colômbia, e até América Central e Caribe. Tenho muita familiaridade com esses mercados e com as empresas. Cheguei em um momento no qual alguns negócios estavam em andamento e conseguimos fazer uma das maiores vendas da história com veículos a gás na região, de 100 unidades para NRG, na Argentina, e 35 caminhões GNL para a transportadora San Gabriel, do Chile. Estamos vindo pelos países que estão gerando maior demanda e, temos sim, um projeto para trazer para o Brasil, com uma linha de produção dedicada em Sete Lagoas. Estamos debruçados sobre a viabilidade para isso. É uma tecnologia que a Iveco domina na Europa, com mais de 50% de participação, e não tem muito segredo trazer para cá.
Mas em um primeiro momento, precisamos de apoio para buscar isenção de ex-tarifários a determinados componentes, aqueles que ainda não se consegue produzir aqui devido ao baixo volume. Também há questões a serem superadas em relação à viabilidade econômica e à infraestrutura. Não tenho dúvida de que esse é um passo estratégico muito importante não só para a Iveco, mas para toda indústria e mercado, pois representa etapa intermediária à chegada dos veículos elétricos, que ainda precisam de muito investimento e desenvolvimento em tecnologia. Pode ter apelo ecológico e certamente é um caminho sem volta, mas do ponto de vista de custo de operação ainda não consegue substituir um veículo a diesel.
No plano de crescimento certamente inclui rede. Qual é a expectativa de expansão para 2021?
Nosso plano é chegar a pelo menos 100 pontos de distribuição e assistência no Brasil este ano. Essa é uma das alavancas que ajuda a aumentar os volumes, porque cada ponto precisa pagar a conta tanto com venda de veículos quanto no atendimento do pós-venda.
Ainda tem muito concessionário Ford Caminhões à disposição para trocar de bandeira?
A Ford deixou uma rede de concessionários bastante interessante e a Iveco já firmou parcerias com vários deles. Foi uma das alavancas do nosso crescimento. Diria que 90% do que demandamos, principalmente para caminhões, a gente já acertou. Existe ainda um ou outro caso em tratativa, mas ansioso para fechar parceria. A grande discussão é pela carteira de clientes, na qual precisamos trabalhar bem na transição.
Dias atrás surgiu no noticiário uma negociação da FAW com a Iveco. Qual é o status desse negócio?
A intenção do grupo é fortalecer as operações que chamamos de on-highway, de caminhões e ônibus basicamente. Ainda não existe nenhum acordo, nenhuma decisão, mas oficialmente discussões preliminares. Em minha opinião, é um movimento interessante. Diante da necessidade de investimento tecnológico para o futuro, as empresas precisam fazer aquisições, se fortalecerem para poder se manterem competitivas no médio e longo prazos.
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Foto: Iveco/Divulgação
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