Texto de Luiz Carlos Secco, que trabalhou na Ford e atua há mais de 60 anos no setor automotivo
Os ex-funcionários, os que ainda se mantêm ligados à empresa, especialmente os que responderam por importantes posições, como gerentes, diretores e até presidentes se sentiram chocados com a exibição de um vídeo que mostrou uma poderosa máquina dando início à demolição do primeiro prédio da fábrica que a Ford possuía em São Bernardo do Campo.
As cenas provocaram decepção e tristeza nas pessoas que trabalharam na empresa inaugurada em 1954 em evento que marcava a vitória da indústria nacional. Da ambição inicial de produzir 50 mil veículos, a fábrica atingiu um volume total maior, demonstrando o potencial do mercado brasileiro.
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No dia 21 de novembro de 1958, a entusiasmada Ford havia inaugurado uma moderna fábrica no bairro do Ipiranga, onde passou a produzir uma linha de caminhões e, em 1967, incorporou a Willys Overland do Brasil, acrescentando ao seu patrimônio as instalações da fábrica de São Bernardo do Campo e ampliando a linha de produtos.
Era uma fase fervilhante, com otimismo dos fabricantes pelo veloz aumento de produção, pela transformação do automóvel em moda nacional por dar liberdade de locomoção às pessoas e alegria aos caminhoneiros com a crescente necessidade de transporte pelas modernas estradas que surgiam. Exatamente como previa Henry Ford quatro décadas antes, que considerava que a produção de veículos acelerava o desenvolvimento do País.
Nos anos 50, o sonho era simplesmente o carro, mas, rapidamente o consumidor foi ficando mais exigente e passou a desejar potência, economia, conforto, desempenho, segurança e outras virtudes.
Para atender essa nova demanda, a indústria mudou rapidamente com a introdução de novos processos e sistemas de produção, equipamentos mais eficientes e produtivos. E o estilo de vida continuou a exigir renovação constante.
A cada ano, os intervalos de modernização passaram a ser mais curtos, demandando dos fabricantes permanentes estudos, pesquisas e investimentos para não serem superados pela concorrência.
E a modernidade continuou a impor novos desafios, com modelos mais atraentes e, nos últimos anos, mais econômicos e eficientes, com ênfase na preservação ambiental e emissão zero.
A indústria hoje dedica-se a descobrir a melhor opção de propulsão, pesquisando eletricidade, gás, hidrogênio e outras fontes de energia que possam ajudar na preservação ambiental, além dos veículos autônomos.
Voltando ao tema da Ford, o momento é de tristeza e me faz lembrar uma música do grupo Demônios da Garoa que, ao perder a maloca em que viveram, e que foi demolida para a construção de um edifício, cantava que cada “táuba” que caía doía o coração.
Como tudo numa fábrica é muito maior, a letra da música deve provocar uma dor mais aguda a cada coluna ou parede derrubada. E é o que esses ex-funcionários e muitos que ainda restam sentem atualmente.
A venda da fábrica e a demolição de parte das edificações foi motivada pelos baixos resultados financeiros contabilizados pela Ford nos últimos anos o que a levou a anunciar, em janeiro de 2020, o encerramento de atividades nas fábricas São Bernardo do Campo em São Paulo; a de Camaçari, na Bahia; da Troller, no Ceará, e das instalações que ainda possui em Taubaté e, o campo de testes de Tatuí, ambos no Estado de São Paulo.
Nos 101 anos em que atuou no Brasil, a Ford sempre prestigiou o desenvolvimento do País. Montou a primeira linha de montagem de automóveis e caminhões em São Paulo; contribuiu para o desenvolvimento rodoviário, com a promoção de caravanas pelo interior do País; prestou apoio ao Marechal Rondon, que realizou viagens com um Ford Modelo T, aventurando-se pelas matas para a instalação de linhas telegráficas para modernizar a comunicação e prestigiou o Ministério dos Transportes com o reide da Integração Nacional, com viagem de automóveis por todo o território brasileiro.
Também foi a fábrica que prestigiou programas do governo para ampliação das exportações e uma das que mais se empenharam no desenvolvimento do álcool como combustível.
A tristeza do grupo que trabalhou e alguns ainda trabalham na Ford pode ser avaliado pelos comentários de Rubens Cella engenheiro e responsável pela área de produção, que comandou uma das fases de modernização da fábrica de São Bernardo do Campo. O prédio 102, um dos primeiros a serem demolidos, abrigava o, na época, avançado sistema de tratamento de chapas de aço e pintura por sistema eletroforético catódito, que protege a carroceria contra a corrosão. Após a montagem da parte metálica, por soldas das peças por uma linha de aproximadamente 170 robôs, o conjunto era encaminhado à pintura por intermédio de túneis e, depois, para a área de montagem.
Para Rubens Cella, ver a demolição da fábrica proporciona uma dolorosa sensação de perda. E resumiu sua decepção com uma frase: “para mim, é parte da demolição de minha história e de muitos sonhos de uma Ford forte e dinâmica que, como sempre, participou não apenas na produção de veículos, mas também do desenvolvimento do próprio Brasil. Deixei nesse projeto uma grande parte de minha vida. Triste de acreditar”.
Foto: Divulgação/Ford
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