Sem semicondutores suficientes, fábricas no Brasil já deixaram de produzir 37,7 mil veículos no primeiro bimestre
Em 2021 cerca de 10,5 milhões de veículos leves deixaram de ser produzidos globalmente por falta de semicondutores, segundo acompanhamento da consultoria Auto Forecast Solutions (AFS), com sede nos Estados Unidos, que monitora semanalmente mais de 400 fábricas no mundo todo.
No primeiro bimestre deste ano a AFS aponta que as perdas continuam escalando, com a perda de produção de 929,5 mil unidades em apenas dois meses de 2022.
De acordo com o mesmo levantamento, as perdas no Brasil somaram quase 345,5 mil veículos que deixaram de ser produzidos em 15 fábricas no ano passado, devido a paralisações por falta de módulos eletrônicos.
Em janeiro e fevereiro o problema continuou e a consultoria estima que já se perdeu a produção de 37,7 mil carros.
Faltou combinar
Faltou combinar a normalização do fornecimento de semicondutores com os fabricantes – e com os russos, que invadiram a Ucrânia e com isso cortaram dois terços da produção mundial de gás neon, elemento fundamental utilizado na gravação a laser de microchips, colocando no cenário prospectivo um novo fator de pressão no fornecimento global de semicondutores, que já roda abaixo da demanda há mais de um ano.
Mas este é só um novo problema na cadeia global de componentes eletrônicos, que nem começou ainda a afetar de fato o fornecimento de chips, é por enquanto uma perspectiva negativa que fará efeito real daqui a alguns meses, podendo se estender de acordo com a duração da guerra.
Antes de afetar a cadeia global de semicondutores, a guerra já provocou paralisação temporária de produção de carros em dezenas de fábricas na Europa, principalmente na Alemanha. Isso porque, além da falta de chips, agora também faltam os chicotes elétricos produzidos com mão-de-obra barata na Ucrânia, além de paládio fornecido pela Rússia, maior produtor mundial do metal nobre, usado no interior de catalisadores para reduzir a emissão de poluentes de carros a combustão. Isso para citar só algumas das muitas “faltas” e altas de preços que o conflito promete trazer.
Outras questões
Mesmo antes de explodir o conflito na Ucrânia, muitas questões não tinham sido resolvidas no fornecimento de semicondutores, o que já garantia a continuação das dificuldades produtivas até 2023, no mínimo.
No começo de fevereiro, antes de a Rússia invadir a Ucrânia, executivos de dois dos principais fornecedores de chips para o setor automotivo, Infineon e NXP, foram assertivos em declarar que a escassez global de semicondutores está ainda longe de uma solução e deve persistir para além de 2022.
Apesar do aumento da produção de chips, ela ainda é insuficiente para atender toda a variação de demanda da indústria automotiva. A fabricação é complexa, envolve mais de 700 etapas em processos que tomam mais de três meses de uma ponta a outra da cadeia produtiva. Pode levar um ano e meio para atender os aumentos das encomendas.
Justamente por isso ocorre o desequilíbrio atual: as montadoras cortaram pedidos com a pandemia em 2020 e quando voltaram a comprar, em 2021, a produção de semicondutores já tinha sido desviada para outros setores – como fabricantes de computadores e smartphones – ávidos em aumentar suas vendas.
Novas fábricas chips, além de envolver investimentos de mais de US$ 2 bilhões em cada empreendimento, demoram cerca de dois anos para serem construídas e mais dois para chegar ao topo da capacidade de produção. Portanto, essa é uma crise que não é rápida nem fácil de ser resolvida.
Outro fator que vem impactando o fornecimento ao setor de veículos é o tipo de chip utilizado. Boa parte dos fornecedores está direcionando capacidade para produzir novas gerações mais avançadas (e rentáveis) de microchips, para equipar novos e sofisticados produtos eletrônicos – inclusive carros. Com isso, estão deixando de fazer os componentes mais simples, como controladores de fluxo de energia, por exemplo, que no entanto seguem necessários e podem interromper a produção de carros.
Para tentar contornar o problema e reduzir dependência de fornecedores asiáticos, principalmente de Taiwan, alguns fabricantes de automóveis estão fazendo alianças com empresas para garantir a produção desses chips. Mas isso também leva tempo.
Fábricas afetadas no Brasil
O acompanhamento da AFS indica que este ano oito fábricas de automóveis e utilitários no Brasil já promoveram paralisações e reduções da produção por falta de componentes eletrônicos.
A fabricante mais afetada até agora é a Volkswagen, com perda de quase 25 mil carros no primeiro bimestre, principalmente na planta de Taubaté (SP), que produz Gol e Voyage e está sendo preparada para fazer o Polo Track. A unidade passou por paralisação em janeiro e já programou a redução do ritmo de produção até abril, o que acarreta em perda de 21 mil veículos, segundo levanta a AFS.
Também há perda de 4 mil T-Cross que a Volkswagen deixou de produzir em São José dos Pinhais (PR).
As fábricas brasileiras da Toyota estão na vice-liderança das perdas de produção este ano: 4,3 mil unidades. Com diminuição do ritmo em Sorocaba (SP), que produz Yaris, Corolla Cross e Etios (este só para exportação), houve redução de 3,7 mil carros.
Em Indaiatuba (SP), a produção do sedã Corolla foi comprometida em quase 600 unidades e o número tende a aumentar, já que a Toyota já anunciou a paralisação da fábrica nesta segunda semana de março.
Nas contas da AFS, também houve perda de 3,6 mil veículos na Nissan de Resende (RJ), que produz Kicks e V-Drive.
Outros 3,56 mil carros deixaram de ser produzidos pela GM em São Caetano do Sul (SP) com férias coletivas em janeiro na fábrica onde são feitos Tracker, Spin e a geração antiga (Joy) do Onix. A planta também está em preparação para produzir a nova picape Montana.
Mas o ano está melhor para a GM até agora. Em 2022 foi a fabricante que mais perdeu produção por falta de semicondutores, cerca de 180 mil veículos, principalmente por causa da paralisação de cinco meses em Gravataí (RS), onde produz os modelos Onix, seus carros mais vendidos no país.
Este ano até a BMW em Araquari (SC) registrou perda de 1 mil carros Série 3, X1, X3 e X4, devido à paralisação por alguns dias da linha de montagem em janeiro.
OBSERVAÇÕES
Conforme previsto no plano estratégico de longo prazo da empresa divulgado no início de março, a Abarth é a prometida oitava das 14 marcas do Grupo Stellantis a chegar na América do Sul, que se junta à Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën, DS e Opel (as duas últimas ainda sem presença no Brasil).
Abarth não é exatamente uma marca, mas uma submarca da Fiat, usada desde os anos 1970 em alguns modelos da fabricante com motorização mais potente e visual esportivo. Atualmente só figura na grade de versões turbinadas do Fiat 500 vendido na Europa.
Semana passada a Fiat divulgou que o emblema do escorpião voltaria a enfeitar seus carros por aqui. E no domingo à noite, 13, usou seu patrocínio milionário no Big Brother Brasil para divulgar na TV em primeira-mão que o primeiro Abarth desta nova safra será uma versão do Pulse, que só começa a ser vendida no último trimestre do ano.
Ainda que sem confirmação oficial, o Pulse Abarth deve usar o motor 1.3 turbo de 185 cv, produzido desde 2021 em Betim (MG), que já equipa os modelos nacionais da Jeep: Renegade, Compass e Commander.
A Abarth também não é uma novidade por aqui: o emblema do escorpião já esteve no Brasil enfeitando o Stilo, em 2002, e o 500 em 2014 equipado com motor 1.4 Multiair 16 V Turbo de 167 cv.
Fundada pelo ítalo-austríaco Carlo Abarth em 1949, era uma preparadora de carros de corrida que colecionaram alguns títulos na Europa. Nos anos 1960, começou a produzir escapamentos de alta performance e kits de tuning esportivo. O então Grupo Fiat comprou a Abarth em 1971 e a transformou em seu departamento de competição.
Sem constância nem estratégia definida, a marca apareceu e sumiu algumas vezes em carros da fabricante. Foi relançada em 2010, mas permanecia dormente até a fusão da FCA com a PSA há um ano que criou o Grupo Stellantis, quando passou a integrar uma constelação de 14 marcas.
Não é só o mercado de veículos novos que está enfrentando as dificuldades da economia em retração, juros altos e restrição de crédito. Os mesmos fatores parecem ter estourado a bolha do mercado de automóveis e utilitários usados, que em 2021 atingiu o maior volume de sua história no Brasil, com 11,2 milhões de unidades negociadas. A falta de modelos zero-quilômetro e os preços altos desviaram a demanda para os carros de segunda-mão. Já no primeiro bimestre de 2022 os resultados mostram forte recuo nas vendas: a soma de 1,2 milhão de transferências aponta queda de 30% sobre o mesmo período do ano passado.
A Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) conseguiu costurar apoio político no Congresso Nacional. Foi aprovada semana passada no Senado a criação oficial da Frente Parlamentar Mista pela Eletromobilidade, integrada por senadores e deputados federais que pretendem trazer às duas casas debates e propostas em favor dos transportes com energias renováveis no país.
Em sua defesa do etanol como passo alternativo e aditivo à eletrificação, em busca da redução de emissões de CO2 por uma via mais rápida, barata e já amplamente disponível no Brasil, o presidente executivo da Volkswagen América Latina, o argentino Pablo Di Si, também articula com o governo de seu país natal a adoção em larga escala do biocombustível por lá.
Semana passada, Di Si tratou do tema em um encontro com quatro ministros argentinos, acompanhado de Evandro Gussi, presidente da Única, associação que reúne a indústria da cana-de-açúcar, produtores de açúcar, álcool combustível e bioeletricidade do Centro-Sul brasileiro.
A conversa foi sobre como Brasil e Argentina podem cooperar para ampliação da produção e utilização de etanol. Pelo lado do governo argentino, participaram os chefes das pastas da Agricultura, Julian Domingues; do Desenvolvimento Produtivo, Matias Kulfas; do Trabalho, Claudio Moroni; e do Gabinete de Ministros (equivalente à Casa Civil brasileira), Juan Manzur.
Gussi e Di Si defendem que a diversificação geográfica da produção e uso do etanol é o caminho para internacionalizar o biocombustível extraído da cana ou do milho. Cerca de 80% do etanol no mundo é produzido no Brasil e nos Estados Unidos, o que limita a utilização e sua contribuição para a redução de emissões de gases de efeito estufa.
* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista
Foto: VW/Divulgação
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