OBSERVATÓRIO AUTOMOTIVO
Diante do derretimento do volume de vendas de automóveis e comerciais leves no varejo das concessionárias, com poucos consumidores capazes de pagar preço médio de R$ 130 mil por um carro, as locadoras ainda podem salvar o ano.
Segundo calcula a associação dos fabricantes de veículos, a Anfavea, existe demanda represada das locadoras de 600 mil veículos leves, que não puderam renovar suas frotas porque as fábricas não conseguiram atender todas as encomendas nos dois últimos anos, não produziram por falta de componentes eletrônicos, os semicondutores.
A falta de produtos, em combinação com o declínio do poder de compra dos consumidores, vem causando forte retração das vendas no país. Os 375 mil emplacamentos de automóveis e comerciais leves no primeiro trimestre de 2022 representam queda de quase 25% sobre o mesmo período de 2021, é o volume mais baixo desde 2006, ou 16 anos.
Existem perspectivas não confirmadas de aumento no fornecimento de semicondutores a partir do segundo semestre, mas inexistem expectativas de melhoria do cenário econômico para o consumo, via aumento de renda ou queda de juros e preços. Todas as projeções apontam para quadro igual ou pior até o fim do ano, com retração da atividade econômica e provável queda do PIB.
Com isso, a esperança de atingir a projeção da Anfavea de vender 2,1 milhões de veículos leves em 2022 recai em boa medida sobre as vendas diretas às locadoras – e não só para locações tradicionais, mas também para terceirização de frotas e os novos serviços de compartilhamento e assinaturas de veículos administrados por essas empresas.
Resta lembrar que locadoras não estão imunes ao cenário econômico. Podem ter demanda represada dos dois últimos anos, mas vão desistir de ir às compras assim que baixar a procura pelos seus serviços.
Vendas diretas em queda
O paradoxo é que normalmente as locadoras querem comprar em maior volume justamente o que as montadoras estão produzindo menos: os carros mais baratos. Com a falta de chips, os fabricantes direcionam os componentes para produzir os carros mais caros e rentáveis.
O fato é que vendas diretas vêm perdendo participação. No fim de 2019, antes dos estragos da pandemia, representaram 46% dos emplacamentos e em 2020 essa proporção caiu marginalmente para 44%, na sequência desceu a 43% na média de 2021. No anômalo primeiro trimestre de 2022 a proporção despencou para 39%, o nível mais baixo em anos, enquanto as vendas de varejo nas concessionárias subiram a 61% do total.
Contribui para esse resultado a retração das vendas às pessoas com deficiências, os PcDs, que embora sejam negociadas em concessionárias, são contabilizadas com faturamento direto da fábrica ao comprador. Com novas regras mais restritivas, as compras de PcDs caíram da média de 7 mil/mês em 2021 para 4,5 mil/mês agora, segundo calcula a Anfavea.
Resultados abaixo das projeções
Apesar de ter feito projeções no início de 2022 já esperando que a falta de semicondutores fosse limitar o mercado, a associação dos fabricantes, Anfavea, reconhece que os resultados do primeiro trimestre estão abaixo do que já considerada uma visão conservadora.
Pelos lado da oferta, a Anfavea esperava que as fábricas produzissem 525 mil veículos no primeiro trimestre, mas o resultado foi de 496 mil. “Estamos falando de uma diferença de menos de 30 mil unidades, é possível compensar nos próximos meses”, avalia Luiz Carlo Moraes, presidente da entidade.
Pelo lado da demanda a situação é um pouco pior: a Anfavea estimava a vendas domésticas de 450 mil veículos e foram efetivadas 405,7 mil (incluindo automóveis, utilitários leves, caminhões e ônibus), ou 44,3 mil unidades abaixo do esperado.
“Com inflação, alta dos juros e queda da renda, de fato temos mais riscos nas vendas de varejo”, pondera o presidente da Anfavea. “Esperamos que o balanço do ano com maior demanda no atacado, para atender pedidos das locadoras, seja suficiente para atingir nossa projeção, que estima crescimento pequeno este ano, de apenas 8,5%, são apenas 180 mil veículos a mais do que vendemos em 2021”, avalia Moraes.
OBSERVAÇÕES
• Renovar caminhões sim, mas como?
Após mais de 20 anos de negociações infrutíferas, parece até mentira que no último 1º de abril tenha sido publicada a Medida Provisória 1.112, que cria um programa de renovação de frota de veículos pesados no país, o “Renovar”, para tirar de circulação caminhões, ônibus e carretas no fim de vida útil.
É um começo, mas nada além disso até o momento, porque nada foi regulamentado, o que só deve acontecer até o fim de maio próximo. A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) foi o ente estatal escolhido para fazer a gestão do Renovar.
A ABDI irá colocar no ar um aplicativo, inicialmente para acesso de caminhoneiros autônomos que quiserem voluntariamente vender seu caminhão velho com mais de 30 anos, por valor de mercado. O veículo será entregue para centros de destruição/reciclagem e o recurso usado para entrada em um caminhão novo ou com no máximo 10 anos de uso.
O primeiro problema no horizonte é garantir os recursos para isso, pois o modelo traçado não estabelece obrigações. O valor a ser pago pelo veículo virá de um fundo sustentado por algumas fontes, a maior delas são empresas de exploração de petróleo e gás, que poderão depositar no Renovar recursos obrigatórios destinados a pesquisa e desenvolvimento. O governo também poderá destinar parte da arrecadação de multas de trânsito e da Cide, cobrada sobre combustíveis, para o programa de renovação.
Segundo o governo, o fundo tem potencial de arrecadar R$ 500 milhões por ano só do setor de petróleo e gás, mas isso se as empresas efetivamente destinarem todo esse recurso. Outro problema é o valor a ser pago por um veículo tão velho e desvalorizado. Isso não está estabelecido na MP, mas especula-se que será algo de R$ 20 mil a R$ 30 mil, pouco para comprar outro caminhão tão mais novo. Por isso, o Renovar dificilmente funciona sem financiamento com taxas subsidiadas.
Está em estudo a criação de uma linha Finame do BNDES com taxas especiais para usados. E aí surge mais um problema: aprovar o crédito de caminhoneiros que usualmente não têm renda para tanto – e justamente por isso rodam com caminhões tão velhos.
Também está em aberto o quanto fabricantes e concessionários estariam dispostos a reduzir margens e conceder descontos ou benefícios nos veículos e serviços para incentivar a renovação da frota.
OK, o programa está criado, mas só no papel, enquanto há mais perguntas do que respostas para tirar de circulação o total estimado de 450 mil caminhões com mais de 25 anos de idade, uma chaga que gera prejuízos calculados em R$ 50 bilhões por ano em acidentes, R$ 11 bilhões em problemas logísticos e R$ 500 milhões em gastos do SUS para tratar de doenças relacionadas à poluição do ar.
• Enfim, investimento da Nissan
Depois de alguns anos de perda de mercado no Brasil e redução da produção em Resende, RJ, de três para apenas um modelo, o Kicks, a Nissan anuncia que pretende voltar a investir no País.
A empresa informou na semana passada que de 2022 a 2025 vai aportar cerca de US$ 250 milhões, o que pela variação cambial atual poderá ser algo entre R$ 1,1 bilhão e R$ 1,3 bilhão. Os recursos serão destinados à modernização de Resende, que completa oito anos de atividade neste abril, e produção de novos modelos na unidade.
O anúncio foi feito em um combo que envolveu o lançamento da nova picape Frontier, produzida na Argentina, e ativação de segundo turno nas fábricas brasileira e do país vizinho para aumentar a produção.
Até o momento, as ações informadas estão abaixo das ambições anunciadas pela Nissan, de estar entre as três marcas de veículos mais vendidas da América do Sul.
• Haval H6, o primeiro da Great Wall no Brasil
A Great Wall Motors (GWM) confirmou o que já era esperado: a nova geração do SUV médio Haval H6, ainda a ser lançada na China, será seu primeiro veículo vendido no Brasil, no segundo semestre, e um ano depois também produzido em Iracemápolis, SP, em 2023.
Além da marca Haval, a GWM também pretende produzir aqui os SUVs 4×4 Tank e picapes Poer. Todos os modelos serão híbridos.
O H6 será vendido em duas versões híbridas, uma fechada, com bateria menor alimentada só pelo motor a gasolina, outra plug-in, que pode ser recarregada também na tomada e, segundo a Great Wall, vai rodar até 200 km em modo 100% elétrico, a maior autonomia conhecida até o momento para um híbrido plug-in.
• Em baixa, mercado de usados ensaia recuperação em março
O mercado de veículos leves usados deu sinal de recuperação em março, com a negociação de 782,4 mil automóveis e utilitários, número quase 30% superior ao registrado em fevereiro. Contudo, o desempenho segue muito abaixo do ano passado, o melhor da história no segmento com 11,2 milhões de transferências.
O volume de usados negociados no primeiro trimestre de 2022 somou 2 milhões de veículos leves, em expressiva queda de quase 25% sobre o mesmo período de 2021, tombo igual ao registrado nas vendas de novos. A indicação é que o mercado de segunda-mão segue sendo alimentado pela falta de carros zero-quilômetro, mas com menos vigor.
* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
Foto: Divulgação
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