Versão custa mais que o dobro da equivalente com motor flex
OBSERVATÓRIO AUTOMOTIVO
A Renault cumpriu o que prometeu cinco meses atrás, quando confirmou que venderia o Kwid E-Tech no Brasil e que ele seria o carro elétrico mais barato do mercado, assim como acontece na Europa com o irmão romeno Dacia Spring.
Na semana passada a Renault começou a receber reservas do Kwid E-Tech por R$ 143 mil – preço de pré-venda garantido só até julho, quando o carro importado da China só começa a ser entregue por aqui. Com isso, a fabricante afirma que agora pode “democratizar” o acesso de brasileiros à eletromobilidade. Vai ser difícil, considerando que mais barato não é, necessariamente, algo acessível.
Nesse sentido, o Kwid E-Tech é o que pode ser chamado de “caro popular”, pois conserva a pobreza de um carro de entrada, tem acabamento rústico e dimensões compactas, mas com o powertrain elétrico custa mais que o dobro do equivalente com motor 1.0 flex, cujo preço varia de R$ 60 mil a R$ 68 mil – o que também não é barato diante do baixo poder aquisitivo da maioria dos brasileiros.
Menos impostos, mas ainda é mais caro
Como qualquer outro carro elétrico importado no Brasil, o Kwid E-Tech é isento do imposto de importação de 35% que recai sobre veículos com motor a combustão. Como pesa menos de 1.400 kg (977 kg é o peso oficial) e tem o menor consumo energético de qualquer outro carro no país, de apenas 0,44 megajoule por quilômetro (MJ/km), o Kwid elétrico é enquadrado na alíquota mais baixa possível de IPI, hoje de 5,7%, o mesmo porcentual aplicado sobre automóveis com motor 1.0.
Ou seja, o Kwid E-Tech importado paga no Brasil os mesmos impostos de automóveis nacionais 1.0. Ainda assim, é mais caro aqui do que na Europa, porque o peso de todos os tributos brasileiros no preço (IPI, ICMS e PIS/Cofins) chega 25%, maior do que os 16% a 18% nos países europeus, onde carros elétricos também recebem incentivos fiscais.
Em Portugal, o Dacia Spring básico é vendido por € 17,8 mil e a versão Confort Plus, com nível de equipamentos equivalente ao do Kwid E-Tech que chega ao Brasil, sai por € 19,3 mil, ou R$ 98,4 mil pelo câmbio atual.
Seja lá ou aqui, em qualquer lugar do mundo carros elétricos são mais caros que seus congêneres a combustão, mas no Brasil, terra dos piores carros mais caros do mundo, os preços são ainda maiores, nada têm de “democráticos”, mesmo quando estão no nível mais barato do mercado.
Mercado insignificante
Desde 2013 a Renault tenta incluir o Brasil em sua aposta global de eletrificação, com tímidas vendas de modelos como o quadriciclo Twizy e o compacto Zoe, que agora se juntam ao Kwid E-Tech e às versões elétricas dos utilitários Master e Kangoo, que chegam no segundo semestre.
O País até agora tem contribuição insignificante diante dos 450 mil carros elétricos que a Renault já vendeu no mundo nos últimos dez anos – e anunciou planos de lançar dez novos BEVs (Battery Electric Vehicles) até 2030.
Vice-presidente comercial da Renault no Brasil, Bruno Hohmann cita uma pesquisa apontando que 62% dos brasileiros têm intenção de comprar um modelo elétrico e 90% avaliam que ainda existem poucas opções no mercado nacional.
A realidade parece bem diferente. Se é verdade que 62% dos brasileiros gostariam de comprar um carro elétrico, poucos de fato podem satisfazer esse desejo, por mais versões que já existam por aqui.
É verdade que as vendas de elétricos mais que triplicaram no Brasil entre 2020 e 2021, mas o volume de apenas 2.860 unidades representou irrelevante 0,14% do mercado total de veículos leves no ano passado.
Este ano, no primeiro trimestre já foram emplacados 1.291 BEVs – mais da metade deles custando acima de R$ 400 mil –, elevando a participação ao dobro, 0,34%, e o volume anual deve ficar entre 5 mil e 6 mil, o que segue sendo insignificante em um mercado projetado de 2 milhões de automóveis e comerciais leves.
Hohmann reconhece a irrelevância do mercado brasileiro de BEVs, mas indica que algumas projeções apontam que isso pode mudar nos próximos anos, com volumes estimados de 80 mil a 200 mil elétricos vendidos em 2030 e uma “virada” para 50% das vendas a partir de 2035.
O executivo prevê que o Kwid E-Tech terá três tipos de público por aqui: os militantes de tecnologias amigáveis ao meio ambiente, famílias com mais de um carro na garagem que querem um modelo urbano ágil, e empresas, especialmente aquelas que têm de cumprir compromissos socioambientais – Hohmann cita que atualmente 45% das vendas de BEVs no Brasil são para uso corporativo.
O Kwid E-Tech a ser vendido aqui sofreu alguns ajustes aplicados pela engenharia brasileira da Renault, a começar por aumento na potência do motor elétrico, que chega com 65 cv (48 Kw), contra 45 cv (33 Kw) do Dacia Spring europeu
Pelos padrões usados no Brasil, o Kwid elétrico conseguiu autonomia de 265 km em ciclo misto e de 298 km em uso urbano. Segundo a Renault, foi feito um trabalho para aumentar a recarga pela frenagem regenerativa. Cerca de 70% da carga da bateria pode ser recarregada em nove horas em uma tomada doméstica de 20 A/220 V, ou 40 minutos em recarregador rápido.
Para Renault, agora “a conta fecha”
Apresentando uma série de cálculos para justificar a viabilidade econômica do carro elétrico mais barato do País, a Renault insiste que agora “a conta fecha” para comprar um BEV por aqui, aposta que o Kwid E-Tech vai abrir o acesso à eletromobilidade para a classe média.
A estratégia é compensar o preço muito maior de aquisição com um custo de propriedade muito menor, a começar com o gasto de combustível. Levando-se em conta a gasolina a R$ 7,30 por litro e a energia elétrica a R$ 0,66 por Kwh, o Kwid E-Tech gasta o equivalente a R$ 0,06 por quilômetro no uso urbano, enquanto seu equivalente com motor flex 1.0 consome R$ 0,48/km.
Considerando o custo total de propriedade, que além do combustível também envolve gastos com manutenção, impostos e seguros, a Renault calcula que rodando 20 mil km por ano o Kwid E-Tech tem gasto de R$ 1,30/km, exatamente o mesmo valor de um hatch flex 1.0.
Para tornar a compra mais palatável e reduzir o temor do baixo valor de revenda, o Kwid E-Tech foi incluído no programa de locação de longo prazo Renault On Demand. O modelo poderá ser alugado por até quatro anos, com R$ 999 de reserva, R$ 9.990 de entrada e 48 parcelas de R$ 2.999, o que perfaz valor total de R$ 154.941.
É quase R$ 12 mil mais caro que o preço à vista, mas a assinatura inclui todos os gastos com manutenções, impostos, documentação, licenciamento e seguro. Ainda assim é caro. Como comparação, na França o irmão gêmeo Dacia Spring é vendido a partir de € 17.390, valor que torna-se bastante acessível com o bônus ecológico do governo de € 4.695, que reduz a entrada a € 2,5 mil em um leasing de 48 mensalidades de € 89,98.
Sem expectativas
Não se falou de expectativas de vendas do Kwid E-Tech no Brasil, mas dá para imaginar não mais de duas centenas olhando para o desempenho dos BEVs mais emplacados no primeiro trimestre deste ano. De janeiro a março foram vendidas 152 unidades do também chinês JAC E-JS1, até agora o elétrico mais barato no Brasil, com duas versões de R$ 165 mil e R$ 180 mil.
O Fiat 500e, de R$ 256 mil, somou 132 emplacamentos no trimestre, contra 62 da outra opção elétrica da Renault, o Zoe, de R$ 205 mil, que continuará à venda.
Interessante notar que opções mais caras têm desempenho melhor que o do Zoe. O Nissan Leaf, de R$ 287 mil, vendeu 102 unidades em três meses. No mesmo período foram vendidos 69 Porsche Taycan de R$ 615 mil.
Ainda que seja o elétrico mais barato do mercado, em sua faixa de preço o Kwid E-Tech vai enfrentar o desafio de disputar um nível de comprador que pode pagar mais para ter coisa melhor.
OBSERVAÇÕES
• Renault turbina a Oroch
Com desenho externo repaginado, novo interior e a opção de um potente motor turboflex 1.3 de 170 cv (com etanol), a Renault espera colocar a Oroch em melhor posição no subsegmento que inventou há sete anos, quando lançou uma picape compacta cabine dupla derivada de automóvel (no caso, o Duster) com mais espaço do que concorrentes como Fiat Strada e VW Saveiro.
A Oroch logo foi seguida pela Fiat Toro, maior, que até agora domina com folga o subsegmento de picapes compactas-médias, que está ganhando cada vez mais concorrentes, como a futura Chevrolet Montana e o projeto da Volkswagen Tarok.
No ano passado, enquanto a Toro renovada com motor turboflex 1.3 de 185 cv foi a segunda picape mais vendida do país com quase 71 mil emplacamentos, a envelhecida Oroch vendeu seis vezes menos, 12 mil, ficando atrás até do bloco de picapes médias diesel bem mais caras, como Toyota Hilux e Chevrolet S10.
Até agora a Renault não conseguiu aproveitar o boom das vendas de picapes no país, que já representa 18% do mercado de veículos leves. A ideia é mudar isso com a nova Oroch, posicionada com identidade própria descolada do Duster, como veículo de uso misto, para trabalho e transporte pessoal.
Em dimensões e preços, a Oroch fica no meio entre as Fiat Strada e Toro. São três versões, duas com motor 1.6 aspirado de 120 cv e câmbio manual de seis marchas, Pro (R$ 105,8 mil) e Intense (R$ 111,3 mil); e a topo de gama Outsider (R$ 137,1 mil) tem o motor 1.3 turboflex de 170 cv e transmissão automática CVT de oito velocidades.
• Mercado distorcido
Em mercado distorcido pela falta de componentes eletrônicos (semicondutores) que afeta mais uns que outros, o ranking de marcas mais vendidas teve alterações drásticas no primeiro trimestre de 2022.
A Volkswagen foi até agora a mais prejudicada, com queda de 56% nas vendas de janeiro a março em comparação com o mesmo intervalo de 2021, o que resultou em perda de 7,3 pontos porcentuais de participação de mercado, de 17,3% para 10%. A marca caiu da segunda para a quinta posição no ranking este ano.
Com isso, a GM/Chevrolet assegurou o segundo lugar (participação de 13,4%), atrás da cada vez mais líder Fiat (21,1%). A Toyota subiu à terceira colocação (10,81%), por ínfima fração à frente da Hyundai (10,78%), que conseguiu sua maior participação trimestral no mercado brasileiro, mesmo com queda de 14,3% nas vendas no período.
Entre muitas quedas de desempenho, destaque para o robusto crescimento de 122% da Peugeot, que com 9,8 mil carros vendidos entrou no ranking das dez marcas mais vendidas, em décimo lugar no trimestre, com participação de 2,63%.
Logo atrás, na 11ª posição, a Caoa Chery também segue com expansão das vendas bastante acima da média. Vendeu 9,6 mil veículos de janeiro a março, avanço de 52,5% e participação de 2,56%, exatamente o dobro do que tinha um ano antes.
• Motos têm ritmo acelerado
O mercado de motos está mais acelerado que o de carros este ano. A produção no Polo Industrial de Manaus somou 327,1 mil unidades no primeiro trimestre, em crescimento de 37,8% na comparação com o mesmo período de 2021, segundo dados divulgados pela Abraciclo, a associação dos fabricantes.
Na avaliação da entidade, a demanda por motos permanece aquecida no país e a projeção é produzir perto de 1,3 milhão de unidades este ano, o que representa expansão de 8% sobre 2021.
• Mercedes e Comil exportam para Gâmbia
A Mercedes-Benz e a encarroçadora Comil vão exportar ônibus pela primeira vez para Gâmbia. São dez veículos para o transporte urbano do país africano, que devem começar a operar ainda no primeiro semestre. Os chassis OF 1730 com motor dianteiro estão recebendo carrocerias Svelto.
* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
Foto: Divulgação
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