Artigo

Indústria automotiva sob risco se a próxima fase regulatória não for assertiva

O Brasil e o Rota 2030 carecem de entendimento político para contrapor lobby global pela eletrificação acelerada e alocação correta de recursos

A mobilidade usa a infraestrutura que é paga por todo cidadão. O Rota 2030 é um programa de grande valor, mas cometeu um erro importante ao conjugar para estabelecer imposto de importação “zero” para veículos elétricos e taxas de 2% a 4% para híbridos que hoje só conseguem ser adquiridos por consumidores de altíssima renda. Colocaram as fábricas inglesas, alemãs e chinesas no porto de Santos ao custo do frete. Com esta equação, quem pensará em produzir esses veículos aqui se puder trazer de fora?

O Rota 2030 carece de definições mais claras dos reais objetivos para a descarbonização e de concertação política para correção de caminhos no que diz respeito ao imposto de importação. Para um setor que tem passado por tantas dificuldades pela falta de assertividade da política industrial, os benefícios para a eletrificação devem ser orientados para a realidade do Brasil, para a massa de veículos acessível à renda dos consumidores e para incentivos que sigam um fluxo de pegada tecnológica adequada ao cenário do País e a suas competências.

Os subsídios são ofertados pelo Estado, mas pagos pelo contribuinte. Para os veículos premium, por exemplo, um benefício de 30% a 40% sobre a Tarifa Externa Comum do Mercosul, que é de 20%, seria de muito bom tamanho. A receita deste imposto menor tem de ser adequadamente aplicada como incentivo para P&D e benefícios para a localização de componentes relacionados à eletrificação em compasso financeiro do consumidor brasileiro, ou seja, no desenvolvimento de baterias 48 V, belt-starters, inversores e motores elétricos. Com a energia limpa dos projetos de energia solar e eólica em desenvolvimento hoje, devemos na realidade investir na produção futura, mesmo que parcial, dos componentes das baterias, pois o País é rico em materiais relacionado a terras raras.

A recente criação da Frente Parlamentar Mista pela Eletromobilidade tem de se manter firme no seu objetivo de “promover debates e iniciativas a respeito de políticas públicas e outras medidas que estimulem a eletro mobilidade no Brasil, como o uso do carro elétrico” e visa também “promover o debate sobre o desenvolvimento sustentável do País, em conjunto com inovações tecnológicas para oportunizar cidades inteligentes asseguradas por energias renováveis em benefício de toda a sociedade”.

Comentário do senador Izalci Lucas (PSDB), relator do projeto, de que num futuro próximo, os veículos elétricos vão compor a maioria da frota mundial e que nosso país está atrasado nesse debate” está longe de ser realidade. A frente parlamentar precisa se abastecer de dados mais realistas sobre o futuro da eletrificação. Ouvir as dezenas de profissionais do setor e da academia já envolvidos na discussão e que já tem debatido a respeito das melhores escolhas e de maior potencial para atingir metas que sejam audaciosas, exequíveis e alinhadas à realidade do País.

Sonhar com uma política semelhante ao Green Deal, na Europa, e ao 14º Plano Quinquenal da China é alucinação. Artigo de Automotive News de 9 de março último intitulado “É hora de repensar completamente os subsídios para veículos elétricos”, afirma que eles acabarão tendo que resistir ou fracassar por conta própria, sem assistência financiada publicamente, mas os subsídios dos contribuintes devem continuar, com modificações.

Os legisladores em Washington têm uma decisão a tomar, pois qualquer assistência subsequente do contribuinte deve ser melhor direcionada para ajudar aqueles com menos recursos a dar o salto para os BEV’s, em vez de subscrever o segundo ou terceiro veículos dos ricos.

Lobby global x realidade regional

O lobby de entidades sedentas por subsídios reforça a tese de que no Brasil não há incentivos à eletrificação e, descaradamente, mistura interesses de negócio com atividades que tem, por obrigação, elucidar a sociedade dos reais benefícios da evolução da mobilidade para sistemas limpos e sustentáveis que atendam os diferentes segmentos de veículos e do mercado.

Os veículos fabricados e vendidos no Brasil desde o Inovar Auto, em 2012, e até a qualificação do Rota 2030 agora em setembro de 2022, trouxeram e trarão melhoria de eficiência energética de 33,4 %, 7% acima da meta acumulada estipulada para os dois programas. O resultado computa uma economia de combustível superior a R$ 66 bilhões que foram reintroduzidos na economia em vez de queimados nos motores. Também deixaram ser emitidas na atmosfera mais de 40 milhões de toneladas de CO2, o equivalente à absorção de 5,7 bilhões de arvores correspondente a 1,5 % da Floresta Amazônica. Valeu ou não valeu a pena?

As soluções para a descarbonização e mobilidade sustentável de balanço zero de CO2 dependem da mudança da legislação para a medição da geração de GGE pela metodologia de análise do ciclo de vida (LCA), que inclui produção, uso e descarte dos veículos.

No caso do Brasil, especificamente, as rotas tecnológicas da bio-eletrificação, dos combustíveis sintéticos e da descarbonização por células movidas a biocombustíveis, quando medidas no ciclo do poço à roda, não são a jaboticaba do momento. Mas sim o melhor caminho que nos liga ao futuro no curto prazo e que será seguido por todas as regiões. Índia e outros países em desenvolvimento, representando 40% do mercado global, terão de seguir o mesmo caminho.

Se acreditamos que o hidrogênio é a energia do futuro, imagine o consumidor abastecendo o veículo com etanol na infraestrutura já instalada dos postos de combustível e andando com um veículo elétrico com quebra do hidrogênio advindo do etanol “on-board”?

O momento é crítico para decisões no setor automotivo brasileiro em relação ao futuro da mobilidade sustentável. A medição da eficiência dos veículos no ciclo poço à roda tem de ser adotada, o que garantirá a liderança do processo, representará um grande avanço tecnológico e promoverá uma legislação exemplar para o mundo.

Uma vez definidas as metas adequadas para as próximas fases do Rota 2030, a média de emissões dos veículos aqui vendidos em 2027 se aproximará dos 95g de CO2 equivalente no ciclo poço à roda. A mesma da Europa do tanque à roda, ou seja, um avanço de proporções espetaculares, só que de verdade, não com fabulações.

Mantidas as regras atuais de imposto de importação zero para os carros puramente elétricos, a renúncia fiscal em 12 anos atingirá US$ 3,6 bilhões, ou seja, seis vezes mais em relação aos R$ 3 bilhões de benefícios que suportarão o Inovar e Rota 2030 no mesmo período.

Vale a pena?

Com um incentivo de R$ 1 bilhão o Brasil terá, em 2030, sua célula a etanol desenvolvida e aplicada aos veículos dos segmentos B, C, picapes e comerciais leves que realmente servem aos consumidores, com produção local e viabilidade de exportação da tecnologia e dos veículos.

Enquanto as previsões para o mundo apontam para uma eletrificação de 57% das vendas em 2030 com diferentes realidades por região, o Brasil terá 29% dos veículos novos vendidos eletrificados. Isso significa 650 mil unidades rodando pelo País, que necessitarão de investimento de R$ 8,5 bilhões em infraestrutura de abastecimento, recurso que só se viabilizará se vier do setor privado.

A coisa mais importante a se entender sobre a transição energética acelerada é que ela acontecerá em escalas de bilhões e trilhões. O Brasil, portanto, precisa orientar suas escolhas numa escala que se adeque ao seu mercado e que não inviabilize a indústria.

*Paulo Cardomone é CEO da Bright Consulting


Foto: Pixabay

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Paulo Cardamone

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