Estudo aponta que diante de preços altos e renda em baixa consumidores estão desistindo de comprar veículos
Se é verdade que estão faltando carros para abastecer os desejos dos clientes mais abastados do País, capazes de pagar tíquete médio de R$ 120 mil por um modelo zero-quilômetro, também é verdade que a esmagadora maioria dos consumidores encontra-se expulsa deste mercado. O veículo novo virou sonho distante diante de preços nas alturas e condições de crédito impagáveis.
Faltam carros novos para atender o andar de cima da achatada pirâmide social brasileira, mas a falta de clientes tem proporção muito maior. Até agora a indústria parece estar confortável com a situação, dado que não consegue atender todos os pedidos por escassez de componentes eletrônicos.
Mas quando essa contingência for normalizada – o que se espera que aconteça só após 2023 – cabe a pergunta: um mercado abaixo de 2 milhões de veículos leves por ano, ou menos que isso, será suficiente para justificar fábricas abertas que podem produzir mais de 4,5 milhões/ano?
Também pode-se perguntar de outra maneira: por quanto tempo a elite nacional capaz de pagar mais de R$ 100 mil ou R$ 200 mil por um carro será capaz de sustentar o tamanho atual da indústria automotiva nacional?
Demanda achatada
Estudo divulgado semana passada pela OLX revela o tamanho do achatamento da demanda por carros no País. Em pesquisa realizada em março e abril de 2022 com 451 consumidores de classes A, B e C, que usaram ou pretendem usar sites na internet para comprar ou vender veículos no horizonte de doze meses, 28% dos que estavam planejando comprar ou trocar de automóvel afirmaram que desistiram.
Motivos da desistência citados na pesquisa: preços altos, incertezas financeiras, espera por melhores condições de pagamento – como planos de financiamento mais longos e juros menores – e por ainda não terem conseguido vender o carro atual.
A pesquisa também revela o quão distante dos preços dos carros zero-quilômetro está a demanda no País: a faixa de veículos mais procurada pelos internautas vai de R$ 10 mil até R$ 25 mil, o que coloca na liderança a procura por modelos de 10 a 13 anos de idade. Ou seja, mesmo em se tratando de público de classe média para cima – pouco menos da metade da população brasileira –, o poder de compra demonstrado é de três a sete vezes menor do que custa atualmente o veículo novo mais barato.
Potencial não aproveitado
O tamanho potencial do mercado brasileiro sempre foi o principal ponto de atração que motivou a instalação de mais de uma dúzia de fabricantes no País dos anos 1990 para cá. Ocorre que hoje esta mesma indústria é incapaz de produzir veículos com preço adequado para atender esse potencial – ou, dito de outra forma, a maioria da população brasileira não tem renda para comprar estes produtos e sustentar esta indústria.
No horizonte visível não há sinais de qualquer mudança nesse cenário. Os preços dos carros vão continuar em níveis altos e tendem a subir ainda mais com a inclusão de tecnologias de segurança e conforto, muitas delas importadas a preço de dólar caro. Ao mesmo tempo a renda dos consumidores está caindo, o País não cresce o suficiente há anos. Está dado o impasse, à espera de boas ideias.
Com mercado três vezes menor e apenas três grandes fabricantes na disputa, no começo dos anos 1990 a indústria automotiva vivia impasse parecido no Brasil. Na época a solução veio de uma rara convergência de interesses que uniu governo, empresas e trabalhadores na Câmara Setorial Automotiva, que fechou acordos para reduzir os preços dos veículos pela via da redução de impostos e margens de lucro. Os acordos da câmara pavimentaram o crescimento do setor nos anos à frente. Guardadas as devidas proporções, o setor precisa de um novo acordo para garantir seu futuro.
* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
Foto: Pixabay
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