Observatório Automotivo

Incentivo a motor 1.0 é atraso, perdeu sentido, precisa acabar

Modelos com motores turbo são mais caros e benefício do imposto menor não chega ao consumidor

No momento em que as vendas de carros 1.0 voltam a ficar nos níveis mais altos da história, dominando 58% dos emplacamentos de automóveis de janeiro a setembro deste ano, cabe voltar a discutir se estes veículos merecem o incentivo que recebem de pagar IPI menor do que qualquer outro modelo com motorização maior, mesmo que este seja mais eficiente.

A última vez que o volume de vendas de automóveis 1.0 alcançou o índice atual foi em 2003, depois de ter chegado ao pico de quase 70% em 2001. A partir de 2004 houve redução da diferença de tributação de veículos 1.0 com os demais, o que fez a participação mercado dos motorzinhos cair gradualmente nos anos seguintes até a mínima de 32,7%, em 2016.

Depois disso, com a introdução dos modelos 1.0 turbo, as vendas voltaram a avançar até chegar aos atuais 58% do total, mostrando que a combinação de potência e economia é hoje um importante argumento que atrai o consumidor brasileiro – e não mais só o preço, já que todos os modelos ficaram caros demais pelo que oferecem.

A evolução tecnológica aumentou a potência dos motores 1.0 de meros 50 cavalos, no início da década de 1990, para cerca de 70 cv no caso dos aspirados e para mais de 115 cv e até quase 130 cv em alguns turbinados.

Contudo, avanços como sobrealimentação e injeção direta também provocaram aumentos de preços que fizeram a diferenciação tributária perder sua justificativa para existir, já que carros zero-quilômetro de qualquer espécie hoje são para poucos – muito poucos.

Dos carros 1.0 vendidos atualmente no Brasil existem treze modelos aspirados, de sete marcas, e doze turbinados, de quatro fabricantes instalados no País. Dentre os dez automóveis mais emplacados, no acumulado de janeiro a agosto, seis deles têm de série ou como opção a motorização 1.0 turbo, outros três só têm versões 1.0 aspiradas.

Distorções

De início, desde 1990, o artifício de reduzir a tributação de carros 1.0 serviu para aumentar o mercado e o grau de motorização do País, especialmente depois de 1993 com a introdução da política do carro popular 1.0 que teve a alíquota de IPI reduzida a 0,1% por dois anos.

As vendas de fato aumentaram, em 32 anos foram vendidos mais de 25 milhões de carros 1.0 no Brasil, ou 45% de todos os automóveis emplacados no período, mas essa política limitou por muitos anos o desenvolvimento tecnológico dos veículos e criou produtos de qualidade inferior, com baixo ou nenhum potencial de exportação, que dominam as ruas brasileiras ainda hoje.

Dentre as jabuticabas automotivas inventadas no Brasil uma das mais longevas e prejudiciais é a redução da tributação de IPI exclusiva para carros equipados com motores de 1 litro. Em três décadas os modelos 1.0 já passaram por nada menos que dezoito alterações de alíquotas de IPI, para cima e para baixo, mas continuam a pagar menos imposto em uma política tributária discricionária que perdeu sentido – e deveria acabar.

Os carros 1.0 simplesmente não merecem mais receber incentivo tributário limitado pela capacidade volumétrica do motor, porque não entregam benefícios à sociedade, nem sempre são mais eficientes do que veículos que usam motorizações maiores. O que deveria ser incentivado, portanto, é a eficiência energética de um veículo, não sua cilindrada, potência ou tamanho.

Outro ponto é que com a introdução dos turbocompressores nos últimos anos os modelos 1.0 turbinados tornaram-se mais caros do que versões similares equipadas com motorização maior e aspirada, 1.3 ou 1.6, por exemplo, que são tributados com IPI maior. Ou seja, um carro 1.0 turbo não entrega ao consumidor o incentivo da taxação menor que recebe, este benefício hoje é embolsado pelos fabricantes para aumentar as margens de lucro.

Atualmente um carro 1.0 flex gasolina-etanol, seja turbinado ou aspirado, paga alíquota de 5,2% de IPI, contra 8,3% aplicados sobre qualquer modelo com motorização flex acima disso, até 2.0.

Mais uma distorção: carros a gasolina pagam alíquota de IPI mais alta do que os flex, mesmo sabendo que mais de 60% dos modelos bicombustível no País rodam só com gasolina, porque o preço do etanol não compensa.

Outra inconsistência do sistema tributário brasileiro sobre veículos é que híbridos e elétricos têm tributação de IPI fixada de acordo com três faixas estipuladas de eficiência energética e peso, variando de 6,8% a 18,8% no caso de híbridos e de 5,3% a 13,5% para os elétricos puros. Isso significa que híbridos bem mais econômicos do que modelos 1.0 a combustão têm tributação mais alta. Faz algum sentido continuar assim?

* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.


 

Compartilhar
Publicado por
Pedro Kutney

Notícias recentes

Volvo garante cinco estrelas no primeiro Truck Safe do Euro NCAP

Novo protocolo de testes de segurança da organização passa por avaliações dos estágios de um…

% dias atrás

Dulcinéia Brant é a nova VP de compras da Stellantis na região

Ela substitui Juliano Almeida, que terá nova posição global na empresa

% dias atrás

Automec 2025 terá 700 expositores de outros países

É um número 20% superior ao da edição de 2023, também realizada no São Paulo…

% dias atrás

Stellantis apresenta a STLA Frame para veículos grandes

Plataforma a bateria da fabricante promete autonomia de até 1.100 km

% dias atrás

Com fraco desempenho de elétricos, mercado europeu cresce 0,7% em 2024

Ford vai demitir 4 mil trabalhadores na região até 2027

% dias atrás

Mercedes-Benz negocia 480 ônibus para BH

Transporte de passageiros

% dias atrás