A forte guinada para os carros elétricos pode terminar em um beco sem saída. Isto porque ainda não está respondido de onde a indústria vai retirar os minérios, ou matérias-primas, suficientes para produzir baterias, motores e sistemas em escala suficiente para atender as vendas de BEVs, Battery Electric Vehicles, previstas para os próximos anos.

Com demanda induzida por legislações restritivas e incentivos generosos, especialmente na Europa e na China, os BEVs foram escolhidos como opção preferencial e quase única para reduzir as emissões de gases de efeito estufa dos meios de transporte.

A estimativa é que, este ano, somente na União Europeia, os BEVs vão representar 21% das vendas de veículos nos países do bloco, ou um a cada cinco unidades emplacadas. Espera-se que, até 2027, o volume de elétricos vendidos no mercado europeu seja maior que o de veículos com motor a combustão.

O problema é que os legisladores europeus não combinaram o cumprimento de suas leis com a cadeia de suprimentos de veículos elétricos, que ainda está em construção. No caso, as leis estão à frente das capacidades dos fornecedores da indústria.

Gargalo dos minérios elétricos

O maior problema parece estar na capacidade de extração e processamento dos minerais necessários à transição energética, utilizados na produção de baterias, circuitos e motores elétricos, a saber: cobre, lítio, níquel, manganês, cobalto, grafite, zinco, terras raras [para ímãs] e outros menos conhecidos.

Atualmente um carro com motor a combustão usa cerca de 50 kg desses minerais, ou apenas um quarto dos 200 kg utilizados para produzir um automóvel elétrico, segundo cálculos da Clepa, associação que reúne os fabricantes europeus de autopeças, que fornecem algo como € 600 bilhões por ano em componentes para as montadoras na Europa e outras regiões.

De acordo com estudo denominado Energy Transition Delusion, ou Ilusão da Transição Energética, assinado pelo pesquisador Mark Mills, do Manhattan Institute, a demanda por energia vai continuar subindo no mundo com transição dos energéticos líquidos para os sólidos, e com ela, até 2040, a necessidade pelos chamados minerais elétricos vai crescer substancialmente: será necessário usar 42 vezes mais lítio do que agora, 25 vezes mais grafite, 21 vezes mais cobalto, 19 vezes mais níquel e 7 vezes outros materiais raros.

Em recente apresentação Mills assinala que este crescimento projetado é bastante improvável: “Se fosse possível seria o maior aumento de consumo destes minérios da história. Tamanha evolução nunca aconteceu antes”.

O pesquisador continua: “A mineração é uma das atividades mais antigas da humanidade, portanto sabemos muito a respeito. E sabemos que são necessários, em média, dezesseis anos para abrir e explorar ao máximo uma nova mina. Pelo que vemos hoje a indústria de mineração terá de entregar novos projetos com frequência e nível de financiamento nunca atingidos antes”.

Claro que o mercado já sabe destas dificuldades e, não por acaso, a aclamada queda nos valores das baterias de lítio outros insumos para carros elétricos não está acontecendo como era previsto. Por causa de gargalos de fornecimento de matérias-primas consultorias já estimam aumento de 22%, até 2026, nos custos de produção de veículos elétricos, o que ameaça as previsões de barateamento. Não há elementos visíveis que indiquem queda de custos – na verdade as indicações apontam o contrário, para alta.

Não por acaso alguns fabricantes decidiram investir em minas e mineradoras para garantir o suprimento de matérias-primas básicas à produção de carros elétricos. Recentemente o Grupo Stellantis, por exemplo, anunciou investimentos para se associar a projetos de exploração de cobre na Argentina e níquel e cobalto na Austrália.

Dinheiro não cria reservas minerais

Ao cruzar a demanda induzida e esperada por carros elétricos com a necessidade de matérias-primas, a consultoria PwC estima que serão necessários investimentos de dezenas de bilhões para extração e processamento de minerais e produção de células para baterias, em valores próximos de € 140 bilhões na Europa, € 70 bilhões nos Estados Unidos e € 220 bilhões na China.

O problema é que essas montanhas de dinheiro, além dos custos bilionários envolvidos, podem não ser capazes de superar as limitações naturais de reservas e tempo necessário para identificar e explorar novas minas, conforme observa o especialista Mark Mills:

“Se começássemos a investir amanhã na exploração de todos os materiais que vamos precisar levaria, em média, dezesseis anos para começar a produzir. Atualmente, no mundo, não são investidos nem 10% do necessário para atender a demanda projetada para fazer as máquinas elétricas do futuro, para ser, por exemplo, como a Noruega é hoje”.

E esta é uma visão puramente econômica do problema. Para extrair da terra todos os minerais necessários à eletrificação também haverá impactos ambientais ainda não totalmente previstos. Para falar só do principal material usado em baterias de alto desempenho, são necessários 2,1 milhões de litros d’água para refinar cada tonelada de lítio – quantidade suficiente para produzir oitenta carros elétricos como o Tesla Model S com seu módulo de baterias que tem 12 kg de lítio.

Semana passada, no 4º Encontro da Indústria de Autopeças, promovido pelo Sindipeças, em São Paulo, o secretário-geral da Clepa, Benjamin Krieger, em sua apresentação no evento reconheceu que a estruturação da cadeia de suprimentos para produção de veículos elétricos é uma questão em aberto: “A indústria vai encarar desafios complexos para endereçar dependências de extração e processamento de matérias-primas”.

Outros problemas

No evento Krieger admitiu que os legisladores europeus andaram mais rápido do que as capacidades da cadeia de fornecimento e infraestrutura de recarga. Ele observou que, na Europa, a ansiedade causada nos motoristas pela autonomia limitada dos veículos elétricos está sendo substituída pela ansiedade em encontrar um ponto de recarga.

Em sua apresentação Krieger mostrou que ao optar pelos BEVs para atingir a meta proposta pela União Europeia de reduzir em 50%, até 2030, as emissões de CO2 dos veículos leves, seria necessário no período a instalação de 6,8 milhões de recarregadores públicos, o que equivale a inaugurar 14 mil pontos por semana de 2021 a 2030.

Hoje o ritmo está muito abaixo disto: 2 mil pontos de recarga por semana, e com grande desequilíbrio regional, já que quase metade dos recarregadores estão em apenas dois países do bloco, a Holanda com 29,4% dos recarregadores e a Alemanha com 19,4%.

Outra questão não resolvida é a fonte da energia utilizada para recarregar as baterias. No mundo, em média, apenas 34% da geração vêm de fontes limpas e renováveis – e o Brasil lidera com 84% de geração renovável por meio de hidrelétricas e usinas eólicas e solares. Na Europa boa parte da eletricidade vem de termelétricas que usam combustíveis fósseis, algumas ainda alimentadas por carvão, sujando a matriz do carro elétrico, que também emite CO2 em seu ciclo energético.

Usando uma expressão que nós, brasileiros, também costumamos utilizar quando nos referimos à necessária evolução da indústria no País, Krieger admitiu: “A União Europeia não pode ser uma ilha, precisa olhar para todas as alternativas de descarbonização, como o etanol e outros combustíveis renováveis”.

* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.


Foto: BYD/Divulgação

Pedro Kutney
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