Mercado brasileiro ficou pequeno para tantos fabricantes, medidas para ajudar indústria têm efeito limitado
O anúncio esperado para o próximo 25 de maio de “boas notícias para a indústria”, conforme prometido esta semana por Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, com medidas de estímulo ao setor automotivo em especial, pode frustrar expectativas de volta do crescimento robusto do mercado de veículos no Brasil.
Isto porque há gente demais para mercado de menos, veículos e crédito estão muito caros e há pouca margem de manobra para reaquecer as vendas, estagnadas já há três anos em patamar não maior que 2 milhões de veículos/ano – e não se espera nada melhor do que isto neste 2023.
É pouco para uma indústria que pode produzir mais que o dobro do tamanho de seu mercado, algo na casa dos 4,5 milhões/ano em mais de quarenta fábricas de automóveis, utilitários leves, caminhões, ônibus, motores e componentes. Isto sem contar os importadores. As exportações, paradas na faixa de 300 mil a 400 mil por ano, também não são suficientes preencher os enormes espaços vazios das linhas de montagem.
Está cada vez mais difícil manter tamanha estrutura industrial no País. O mercado brasileiro, de baixa renda, tornou-se pequeno para o tamanho de sua indústria automotiva, representa algo em torno de 2% das vendas globais de veículos, se continuar no passo atual pode cair ainda mais e perder fábricas – como já aconteceu com a Ford.
E o que o governo pode fazer? Não mais que o de sempre: reduzir impostos, estimular a concessão de crédito para compra de veículos e, como estão dizendo nos corredores de montadoras e algumas esferas do governo, recriar a figura nada saudosa do carro popular – que de tão impopular, por seu baixo nível de qualidade e conforto, as poucas fabricantes que ainda teimam em fazê-lo preferem chamar de “carro de entrada”, ou “carro verde de entrada”, para pintar o produto com o verniz ecológico do tal ESG.
Já são produzidos no Brasil alguns dos piores carros mais caros do mundo quando se compara os preços pedidos com o nível oferecido de qualidade de acabamento, tecnologia, segurança e eficiência energética. Uma redução forçada de preços pode piorar o que já é ruim, custar caro à evolução tecnológica, ainda que lenta, que os veículos nacionais vêm ganhando nos últimos anos.
É preciso ter cuidado com o que vai se fazer para evitar criar outra jabuticaba automotiva que desconecta ainda mais o País do resto do mundo.
Pouco a fazer
Ao contrário de outros pontos históricos de inflexão da indústria automotiva no Brasil, como na década de 1990 quando carros muito caros e muito ruins dominavam a cena, ou na crise financeira global de 2008 quando o mercado desabou, desta vez o governo pode ajudar pouco, não há tanta gordura para queimar em impostos e crédito.
Já não há mais tantos impostos federais a baixar: o principal deles, o IPI, já foi reduzido no ano passado e nem fez cócegas nos preços dos veículos.
Estimular a concessão de crédito teria mais poder de reaquecer as vendas do que o corte de tributos, mas quem pode ou consegue aprovar financiamentos com juros, na média, de quase 30% ao ano?
Mesmo que sejam reduzidos os impostos federais e os lucros das montadoras sobre os carros mais baratos do mercado, fazendo descer a cerca de R$ 60 mil o preço de entrada no almejado mundo do zero-quilômetro, quem possivelmente compraria este tipo de veículo vai continuar precisando, e muito, de financiamento para fechar o negócio. E quais bancos topam emprestar a gente com baixo nível de renda e alto risco de inadimplência?
Crédito é problema
No cenário atual em que de 70% a 60% das vendas de veículos são fechadas à vista – por falta de crédito –, segundo a Fenabrave a cada dez pedidos de financiamentos de carros os bancos estão negando de três a quatro. Quando se trata de financiar motos, para o tal público de baixa renda, o número é inverso: só três a quatro fichas são aprovadas a cada dez.
Pois o carro de entrada, por seu público, encontra um cenário ainda mais restritivo de crédito do que para modelos mais caros, comprados por gente com mais garantias.
Fala-se em usar o FGTS como garantia contra inadimplência, mas parece pequena a eficiência desta medida para destravar o crédito. Isto porque o desemprego segue alto no País, há cada vez menos consumidores empregados formalmente, assim também é reduzido o número de pessoas que ainda contam com recursos no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
Mais efeito teria a aprovação do projeto de lei, parado no Senado, que libera os bancos de terem de entrar na Justiça para retomar o bem de inadimplentes – o processo seria simplificado, sem necessidade de autorização judicial, o que em tese eleva a qualidade da garantia ao agente financiador.
Ainda assim não há nenhuma garantia de que os bancos reduziriam o custo dos empréstimos – especialmente enquanto a política monetária do Banco Central independente do governo e vassalo do mercado seguir autorizando os juros elevados, mantendo a taxa básica Selic, que baliza as demais, nas alturas de 13,75% ao ano, com frequentes ameaças de subir ainda mais.
Será difícil – ainda que necessário – para o governo desatar tantos nós que travam o crescimento econômico do País e de sua indústria, mas a adoção de política industrial parece absolutamente necessária para qualquer nação que queira garantir seu desenvolvimento tecnológico e social. Nesse sentido os anúncios esperados para o próximo dia 25, ainda que não tragam soluções suficientes, podem ser um bom começo.
* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
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