Definições da segunda fase do Rota 2030 estão atrasadas, gerando incertezas ao setor
A viabilidade do setor automotivo brasileiro com foco na mobilidade sustentável dependerá da correta orientação de futuro que a nova política setorial irá trazer.
A indústria automotiva global nunca esteve exposta a tantos movimentos disruptivos de impacto tecnológico como os vividos neste século e que, diretamente, impactam a escala do setor. Além da descarbonização, outros movimentos em aceleração competem por parcelas do investimento como os relacionados às regulamentações de segurança e de emissões, de conectividade, de digitalização e o futuro dos veículos autônomos.
De todos estes o que mais tem sido debatido globalmente, inclusive com destaques diários na mídia, é o relacionado ao futuro dos sistemas de propulsão que já consolidou a ideia de que a eletrificação sem sombra de dúvidas é o futuro. E está ficando cada dia mais claro que a eletrificação dos sistemas de propulsão está longe de consolidar os veículos puramente elétricos como a salvação da lavoura.
Os principais mercados do mundo começam a cair na real e entender que o remédio para salvar o paciente não é matá-lo, no caso os motores a combustão e sim alinhar o futuro da mobilidade sustentável às características regionais de cada mercado em relação à capacidade de compra dos consumidores e à capacidade de investimento dos governos.
No caso do Brasil a orientação da política setorial em debate no momento para definição do caminho que vamos seguir será fundamental para que os players possam ter previsibilidade e se adequar à escala que precisamos no médio prazo para solucionarmos os desafios da indústria de hoje e na continuidade se preparar para a nova realidade da eletrificação.
Enquanto é ponto pacífico que o futuro da mobilidade é a eletrificação e que devemos preparar o setor automotivo brasileiro para isso, é claro também que a nossa transição para a eletrificação será diferente da de outras regiões e que os legisladores precisam orientar a concertação política de que precisamos tanto pelas características dos consumidores quanto pelas alternativas energéticas sustentáveis de que dispomos.
No Brasil, no curto prazo a solução híbrida flex é a que mais benefícios trará ao consumidor e contribuirá para que não só olhemos para o ambiental, mas também para o social e econômico, uma vez que a infraestrutura produtiva e os recursos da cadeia de suprimentos sofrerão menos impactos durante a transição para uma eletrificação mais pesada dos veículos.
No médio prazo estarmos preparados para veículos híbridos plug-in flex nos parece a complementação ideal para o portfólio de veículos a serem ofertados aos consumidores brasileiros, pois serão os que trarão melhor custo-benefício na mitigação dos gases de efeito estufa.
Tomando-se por base a matriz energética limpa de que dispomos, um veículo híbrido flex rodando com etanol emite 34g CO2e/km e sua versão plug in rodando com o mesmo combustível 23g CO2e/km quando comparado a um veículo elétrico puro que emite 21g CO2e/km considerando a matriz elétrica brasileira.
Mobilidade sustentável, como o próprio nome diz tem de considerar não só a emissão do veículo, mas também os materiais e a transformação envolvidos em sua fabricação. Um BEV na média carrega uma bateria entre 50 e 70 KWh, enquanto um híbrido plug in uma bateria de 15/18 KWH, ou seja, com uma bateria 70% menor conseguimos uma emissão 10% maior sem a necessidade dos massivos investimentos em infraestrutura de carregamento.
Todo momento de disruptura tecnológica, como é o que vivemos em relação à eletrificação dos veículos, traz riscos enormes ao setor industrial e a necessidade de tomar decisões hoje apostando em tecnologias de ion-lítio, com investimentos de mais de U$ 100 bilhões em gigafactories é um deles, pois a nova tecnologia de baterias de estado sólido florescendo, com menor custo, maior densidade energética e menor risco, pode mudar completamente o jogo de suprimentos de baterias no mundo.
Para um país como o Brasil no estágio inicial da eletrificação, em qual alternativa apostar? E o hidrogênio a partir de fontes limpas desponta como uma solução de alto valor agregado.
Os veículos a serem lançados em 2025 já estão prontos e os destinados a 2027 muito avançados, o que faz com que a assertividade dos legisladores para as próximas fases do Programa Rota 2030 seja alta, principalmente com relação à adequação de metas, incentivos e do modelo de tributação, devido ao fato de o debate sobre a nova política não ter sido aprofundado, está mais uma vez atrasado e aumentando a incerteza do mercado sobre decisões de investimento.
O mercado de veículos leves no Brasil tem andado de lado no patamar de 2 milhões de unidades há 3 anos impactado pela pandemia, crise de componentes, renda e juros altos. Precisamos encontrar meios de adicionar 1 milhão de veículos ao mercado atual até 2030 para termos uma indústria sustentável. Adicionalmente garantir a escala para o mercado eletrificado do futuro.
A regulação, apesar das críticas, tem-se mostrado fundamental para a evolução tecnológica do setor. Em segurança, tiramos um atraso em relação aos mercados desenvolvidos de 15 anos em 2010 para menos de 5 hoje. Os veículos evoluíram em eficiência energética no Brasil 6% em 7 anos e a partir dos programas Inovar Auto e Rota 2030 evoluímos adicionais 25% em 10 anos.
A regulação trata das vendas de veículos novos e deixamos a frota de 46 milhões de veículos com mais de 12 anos de idade ao léu. Uma frota mal mantida polui, é responsável por doenças e mortes em acidentes de trânsito, que consomem mais de R$ 50 bilhões por ano. É premente a regulação de um programa de reciclagem de veículos que seja estruturante e permanente, pois continuamos tratando de programas de subsídios à compra de veículos buscando algo inalcançável pois não existe e nunca existirá dinheiro para suportá-los.
E se quisermos ser efetivos em desenvolvimento precisamos urgentemente reestruturar os programas de P&D, exigindo celeridade e a boa aplicação dos recursos com resultado.
A política setorial deve ser orientada para uma reorganização industrial e uma eletrificação mais pesada já a partir do meio da década – mas o carro baterizado não é e nunca será a única solução.
Paulo Cardamone, CEO da Bright Consulting
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