Entrevista

Frasle: modelos de estratégias bem-sucedidas.

Com visão de longo prazo, o CEO Sérgio Carvalho quer dar sequência ao protagonismo global da empresa e replicá-lo em novos segmentos e tecnologias

Entrevista a Alzira Rodrigues, Décio Costa e George Guimarães

A Frasle Mobility estabeleceu faturamento líquido recorde em 2023. Os R$ 3,4 bilhões apurados representaram evolução de 10,8% sobre o ano anterior e quase um terço dos R$ 10,9 bilhões faturados pela Randoncorp. Essa participação não é episódica, porém.

Historicamente, a empresa que acaba de completar 70 anos responde por algo entre 20% e 30% das receitas do grupo sediado em Caxias do Sul, RS, e tem tudo para se manter no patamar mais elevado — e até acima —, a depender da estratégia de atuação e objetivos desenhados para os próximos dez anos.

Com um portfólio de produtos cada vez mais diversificado e sólido suporte de investimentos em inovação, a Frasle Mobility se credencia a ser protagonista em novas tecnologias nos segmentos nos quais atua e também em novos, seja no Brasil ou no exterior.

Nesta entrevista exclusiva, Sérgio Carvalho, CEO da Randoncorp e Presidente e CEO da Frasle Mobility, discorre como a empresa pode chegar lá e, ao mesmo tempo, manter-se como líder global no segmento de materiais de fricção de freios pesados e expandir sua presença global em veículos leves.

Também revela como está se preparando para seguir com a mesma relevância no setor que tem como grande desafio a descarbonização, especialmente via eletrificação dos veículos.

A Frasle é uma empresa local que sobreviveu ao processo de desnacionalização da indústria de autopeças dos anos 90 e início deste século. Ao contrário, nesse período se internacionalizou e hoje é uma das principais empresas de seu segmento no mundo. Como explicar essa trajetória e resiliência?

A Frasle sempre foi diferenciada. Se formos olhar para sua história, sempre teve bons resultados desde sua criação, há 70 anos. A base sempre foi muito boa e, nos últimos anos, só a transformamos em algo melhor ainda. Criamos uma visão de longo prazo, um plano estratégico para ter uma empresa muito maior. E estamos executando muito bem. Não tenho liberdade de revelar todos os números, mas temos alcançado aquilo que planejamos há seis, sete anos atrás, e já mapeamos os próximos cinco anos. Sabemos o tamanho que a empresa terá lá na frente. Para isso, vamos nos focar em produtos que tenham nível de desgaste alto, portanto, bom para o mercado de reposição, como pastilhas de freio ou amortecedores. Mas sistema de direção, cubos de rodas, disco de freios, cilindro mestre, todos os nossos componentes estão nesta categoria. Não que não gostemos do fornecimento OEM, que representa 12% do nosso faturamento. Esses 12% nos ajudam a dar credibilidade para os outros 88%.

A diversificação de produtos e segmentos está nessa estratégia também?

Sim, com certeza. Fizemos aquisições nos últimos anos e a Frasle, que era originalmente 100% dedicada a material de fricção, tem hoje menos de 50% da receita, em alguns meses 45%, nesse segmento. Adquirimos a Fremax para completar o portfólio de frenagem, que era a parte mais interessante do mercado para nós. Depois nos perguntamos qual outro segmento que mais nos atrai e chegamos à conclusão que seria o de suspensões. Por isso fomos atrás da Nakata e, no ano passado, compramos a Juratek, no Reino Unido. São aquisições com integrações e crescimento da lucratividade muito bons. Eram empresas e nomes já reconhecidos no mercado, com canais de distribuição constituídos, o que nos facilitava adicionar a oferta de produtos e, consequentemente, utilizar melhor os ativos, compartilhar custos fixos e obter resultados melhores. Vamos levar, por exemplo, itens de suspensão para o Reino Unido, para a Juratek, provavelmente com o nome Nakata.

E, ao que parece, é um modelo que está funcionando…

A Frasle é a mais internacional das nossas empresas. Fomos para a Índia em 2018, duplicamos nossa operação na China, entramos na Colômbia e já estávamos nos Estados Unidos há vários anos, uma operação que tem desempenhado muito bem e é líder no segmento de pesados.

Mas a Frasle criou a Composs, uma empresa de materiais compostos, o que parece um pouco fora desse perfil de produtos. O que está por trás dessa decisão?

Quando iniciamos essa estratégia em 2017, as grandes empresas de consultoria falavam das novas tendências, da chegada do carro elétrico, do veículo autônomo, que o mundo iria acabar [risos]. Só que a reposição é um porto seguro, depende da população de veículos no campo e ela vai continuar lá por pelo menos 10 ou 15 anos. O segundo porto seguro será a área de materiais. É importante lembrar que a maior parte da frenagem dos carros elétricos é feita pelo motor elétrico, só a frenagem final utiliza a pastilha. Então, quando o carro elétrico responder por grande parte da frota global, ele vai afetar a reposição. Não daqui a 10 anos, mas mais para 20 anos. Precisávamos, assim, preparar a empresa aos poucos. Seria uma irresponsabilidade, como gestores, deixarmos que algo disruptivo impactasse negativamente o nosso negócio, mesmo que daqui a duas décadas, quando não estaremos aqui como executivos. Então decidimos trabalhar em materiais inteligentes, que contribuam para a redução do peso dos veículos, já que, independentemente da tecnologia adotada para movimentá-los, um veículo mais leve consome menos energia e isso é irrefutável!

“A reposição é um porto seguro, depende da população de veículos no campo e ela vai continuar lá por pelo menos 10 ou 15 anos.”

 

Isso imaginando um mercado futuro, mas já há resultados imediatos?

Pensávamos em compensar a queda do mercado de reposição de pastilhas daqui a 20 anos, mas avançamos muito mais rapidamente. Felizmente, conseguimos criar peças com materiais compostos já competitivas em preço em relação as de aço. Utilizamos processos e equipamentos de manufatura já empregados pela Frasle em produtos de fricção, como prensas, resinas e formulações especiais. O produto e a aplicação são diferentes, mas a manufatura tinha tudo a ver com a Frasle, com sinergias em matérias-primas e no processo industrial. Tenho certeza de que a 5 a 10 anos a Composs será uma parte muito grande da Frasle Mobility.

E ela fornece para quem hoje?

Primeiro para nosso grupo. A Iveco do Brasil foi o segundo cliente e, agora, a Iveco na Argentina. Encaminhamos tratativas também com a Iveco na Europa e com quase todos os grandes fabricantes de caminhões e ônibus no Brasil. Nossa expectativa é que, ao desenvolver projetos aqui, as matrizes dessas empresas também se interessem. A partir do Brasil, vamos acessar o mercado europeu e também o norte-americano.

Inovações como essas demandam recursos financeiros e técnicos elevados. Quais são as diretrizes do grupo Randoncorp para investimentos em pesquisa e desenvolvimento?

Isso é um dos pilares nossos para o futuro. Tecnologia e inovação são diferenciais necessários para a perpetuação das empresas. No fim de 2017, início de 2018, criamos um grupo dedicado para pesquisar novas tecnologias, mais disruptivas. Imaginamos que dentro das verticais de negócios não conseguiríamos os mesmos resultados, já que nelas a prioridade é vender, produzir, obter o resultado do mês, o mercado, a rotina. Essa nova estrutura muito capaz, tem feito um trabalho maravilhoso, a própria Composs nasceu a partir desse grupo, que cria o produto, a tecnologia, e os entrega para manufatura e comercialização em uma de nossas unidades. Estamos muito no início desse processo, a contribuição dessas novas tecnologias nas receitas do grupo ainda é muito pequena, mas tenho certeza que terão um porcentual muito grande daqui a dez anos.

Recentemente, a Randoncorp obteve financiamento de R$ 500 milhões do Banco Mundial para ações de sustentabilidade em suas empresas. No que esses recursos resultarão?

São R$ 250 milhões para a Frasle Mobility e R$ 250 milhões para a Randon. O grupo tem o compromisso público de reduzir a emissão dos gases de efeito estufa em 40% até 2030, uma meta muita agressiva, e esse financiamento nos deixa muito orgulhosos porque poucas empresas conseguem. Foram dois anos de negociações, 250 funcionários de todos os níveis entrevistados por eles para comprovar que nosso programa é sério e não se trata só de mero discurso do CEO ou marketing, mas que existe substância. Temos muitos projetos associados ao meio ambiente, de energias limpas, de produtos, como carreta elétrica, solar. Os nossos compromissos públicos têm a ver com os escopos 1 e 2, da porteira para dentro. Por exemplo, estamos substituindo nas caldeiras da Frasle o uso do gás natural, um combustível fóssil, por eletricidade. Mas esses novos recursos impactarão muito o escopo 3, os produtos, sejam nossos ou de nossos clientes.

A Frasle pretende ampliar atuação nos Estados Unidos e ingressar no segmento de veículos leves lá?

Recentemente, investimos bastante na renovação da fábrica dos Estados Unidos para veículos pesados. Somos a maior empresa do mundo em material de fricção para esse segmento, mas o mundo está mudando de freio a tambor para a disco e estamos conquistando novos negócios nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Tenho a esperança de que em poucos anos brigaremos pela liderança também. Na linha leve temos posições muito sólidas no Brasil e América Latina e desejamos entrar no México, para onde já exportamos. Depois que estivermos bem estabelecidos lá, pensaremos nos Estados Unidos, que é cinco vezes maior. Mas há muitos outros mercados de leves em que poderíamos participar também, como o Leste Europeu e o asiático. Só que não dá para abraçar tudo ao mesmo tempo.

A Frasle fornecerá para GWM e BYD no Brasil?

Para o mercado reposição, com certeza. Uma de nossas forças é rapidamente ter produtos para a reposição de cada veículo que é lançado. Isso é vital, é parte do nosso sucesso. Quem lança um produto primeiro, tem muitas vantagens, cria nome, dita o preço no mercado. Já sobre o fornecimento direto para as montadoras, não conheço o plano delas para conteúdo local. Na medida que venham efetivamente desenvolver fornecimento aqui, naturalmente será uma oportunidade para nós.

Mas os sistemas e componentes de freio de veículos elétricos são diferentes daquilo que hoje vocês oferecem?

Primeiro é importante ter em mente que essas empresas citadas são gigantescas na China, um mercado duas vezes e meia maior do que o norte-americano, e têm seus próprios sistemas de freios desenvolvidos e produzidos lá em volumes astronômicos. Os freios são diferentes, a começar pelo peso adicionado. O disco e a pastilha de um elétrico, por exemplo, são bem maiores do que o de um modelo a combustão. Até o material da pastilha é diferente. É um sistema mais caro pelo tamanho e material utilizado.

Qual papel as exportações exercerão nos negócios nesse novo cenário?

A Frasle sabe atuar nesses mercados internacionais há muito tempo, quer seja produzindo lá fora, quer seja exportando daqui. Já chegamos a ter 55% da receita no exterior, incluindo produção fora e exportações do Brasil. Como fizemos uma série de movimentos aqui, esse porcentual caiu para 45%, mas queremos voltar a ter 55% ou até 60% da receita lá fora. E sabemos como fazer isso muito bem. Aliás, um exemplo é a Nakata. Construímos uma fábrica de amortecedores em Extrema (MG) com muito mais capacidade produtiva para atender o mercado doméstico, mas também para exportação. Começamos pela América do Sul e vamos exportar também para Europa, México e outros países. Mercados em que não estávamos presentes.

A Randoncorp também tem essa meta de exportações como grupo?

Nesse caso o objetivo é que nos próximos 5 anos tenhamos 30% da receita gerados pelos negócios fora do Brasil, incluindo as exportações. Hoje temos pouco mais de 20%.

 

“Se o setor tiver um plano diretor sólido, o Brasil tem condição de ser um protagonista no cenário mundial muito maior do que já é.”

 

Pelos muitos anúncios de investimentos feitos recentemente, o setor automotivo parece estar em lua de mel com o Brasil. O senhor compartilha dessa visão?

A dinâmica é um pouco diferente na área de veículos pesados, onde, em geral, os investimentos são semelhantes aos que já víamos anteriormente. Os valores mais relevantes são para renovação de linha de automóveis, na esperança de que o mercado volte a crescer, a renda do brasileiro aumente e que o País volte a produzir 4 milhões de veículos como já aconteceu. Caminhões e ônibus terão um 2024 muito melhor, passada a ressaca do Euro 6. Mas os volumes precisam estar alinhados com as necessidades reais do mercado. Lá em 2011, 2012, criou-se uma demanda artificial com juros tão baixos que era melhor negócio comprar um caminhão novo do que deixar o dinheiro no banco. Espero que no futuro o crescimento seja embasado em premissas sólidas e não artificiais porque, do contrário, alguém pagará essa conta lá na frente.

O Mover pode ser o alicerce de um mercado sustentável?

O programa tem intenções muito positivas, só que preciso conhecer os detalhes, não posso comentar sem saber como ele ocorrerá, quais serão as iniciativas para resolver os gargalos, como fomentar tudo isso de maneira produtiva. Por exemplo, eu adoro o agronegócio, é maravilhoso para o Brasil, mas a tributação nesse segmento é pequena comparada à do nosso setor. Eu me atrevo a dizer que se tivéssemos a mesma tributação [do agro], estaríamos produzindo muitos veículos para exportação, seríamos extremamente competitivos. Vejo com bons olhos esses movimentos de investimentos, mas é preciso que o programa assegure que sejam sustentáveis, não momentâneos. Se o setor tiver um plano diretor sólido, o Brasil tem condição de ser um protagonista no cenário mundial muito maior do que já é. Capacitação temos !!!


Fotos: Divulgação

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Redação AutoIndústria

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