Estava tudo indo bem melhor do que era esperado no mercado nacional de veículos leves, com a volta dos financiamentos e volumes mensais de vendas como não se viam desde 2019. Mas os dilúvios que transformaram o Rio Grande do Sul em uma grande lagoa cercada de lamaçais têm impactos locais e nacionais que podem esfriar a recuperação em andamento.

Para começar o megaproblema do Sul já paralisa por quase um mês a produção da General Motors na fábrica de Gravataí, RS, que não foi alagada mas está parada por falta de peças e de funcionários – e mesmo que pudesse produzir seria difícil escoar os carros. Com isto, somente de lá, deixaram ser colocados à venda algo como 16 mil unidades do Onix e Onix Plus, caso fosse mantido o ritmo de emplacamentos de abril.

Mas o problema ultrapassa as fronteiras gaúchas: como 90% das indústrias do Estado foram afetadas pelas chuvas, segundo a Fiergs, número relevante de fornecedores de autopeças também parou, por falta de insumos, funcionários e de transporte para escoar a produção. Isto afeta diretamente fabricantes de veículos em outros estados.

A Volkswagen, por exemplo, com falta de peças do Sul precisou dar férias coletivas nas últimas duas semanas de maio aos empregados do chão das fábricas paulistas de São Bernardo do Campo, Taubaté e São Carlos. Com isto pode ter deixado de produzir perto de 10 mil unidades do Polo – carro mais vendido do País este ano –, Nivus, Virtus e Saveiro.

Para contornar o problema a Volkswagen fechou importações temporárias de peças e pretende retomar a produção em junho, mas não se sabe até que ponto conseguirá recuperar as vendas perdidas por falta de produtos a entregar a partir de junho.

Outros fabricantes de veículos, incluindo Stellantis com as marcas Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën também estão sendo afetados. Sabe-se que foi paralisada a linha de produção do Fiat Cronos em Córdoba, na Argentina, com impacto relativamente baixo sobre o total de vendas da fabricante, que ainda poderá sofrer paralisações em outras unidades produtivas se a falta de peças persistir.

Nem sempre as importações são possíveis para substituir temporariamente peças que faltam aqui, principalmente porque existem componentes feitos e homologados para veículos específicos, torando difícil encontrar o mesmo item, com as mesmas especificações técnicas, em outra fábrica no Exterior.

Exemplo disto são as juntas homocinéticas produzidas por fábricas da GKN no Rio Grande do Sul, que são fornecidas para nada menos do que 80% dos carros produzidos no Brasil.

Sem vendas no Rio Grande do Sul

Em meio à tragédia que se abateu sobre o Estado é difícil imaginar algum gaúcho comprando um carro, novo ou usado, em maio e talvez por alguns meses adiante. Como o Rio Grande do Sul responde atualmente por 5% das vendas nacionais de veículos novos, supõe-se que mais de 10 mil automóveis e comerciais leves zero-quilômetro deixaram de ser vendidos este mês somente naquele mercado, levando-se em conta o ritmo de emplacamentos de abril.

Algumas estimativas preliminares apontam que 5% a 10% da frota do Estado, de 140 mil a 280 mil carros, tenham sido alagados e inutilizados pelas enchentes. Não se sabe quantos destes veículos estão cobertos por seguro mas os que estão poderão, em alguns meses à frente, sustentar novas vendas.

Contudo será difícil que todas as perdas sejam repostas, até porque haverá outras prioridades de gastos e perda severa de renda no Estado, o que puxa as vendas de veículos para baixo por período ainda difícil de estimar, talvez de mais de um ano à frente.

Greves

Adicionalmente ao tsunami chuvoso que varreu o Rio Grande do Sul o clima das relações trabalhistas também não favoreceu a produção de veículos no País em maio, incluindo greve de quase um mês inteiro – que seguia em curso nos últimos dias de maio – na fábrica da Renault em São José dos Pinhais, PR, que nesta situação deixou de produzir perto de 10 mil unidades do Kwid, Duster, Kardian e Stepway. Em algum momento estes carros farão falta nas concessionárias da marca.

Para piorar a situação entra em cena uma espécie de greve ao contrário: a operação padrão de funcionários do Ibama e Ministério da Agricultura, que descontentes com a proposta de aumento salarial do governo federal decidiram fiscalizar com mais minúcias todas as operações de importações nos portos brasileiros, o que vem atrasando a liberação de veículos e cargas de componentes importados.

Segundo apurou a Agência AutoData junto à Anfavea, a associação dos fabricantes, na semana passada havia 1,2 mil contêineres de peças e equipamentos parados em portos aguardando liberação por auditores dos órgãos de controle que fiscalizam se os itens importados respeitam exigências sanitárias e ambientais do Brasil.

Por ironia pode ser que parte destes componentes tenham sido importada para suprir a falta de componentes de fornecedores gaúchos.

Pelo mesmo motivo, até 22 de maio, 17,1 mil carros importados aguardavam autorização para entrar no País, o que também puxa para baixo o número de emplacamentos deste mês e dos seguintes.

Somando o que deixou de ser vendido no Rio Grande do Sul com o que deixou de ser produzido em outros estados por falta de peças gaúchas e importadas, de 50 mil a 60 mil carros podem ter sido subtraídos do mercado apenas em maio. Graças a estoques nem todo este impacto será sentido no mês, mas deve ser diluído por alguns meses à frente.

Não se sabe quanto tempo demorará para produzir e vender o que deixou de ser feito, o que pode atrasar ou até mesmo reduzir o ritmo da recuperação do mercado este ano – lembrando que nenhuma das crises mencionadas foi resolvida e que os problemas podem se acumular ainda mais em junho e julho.


Foto: Divulgação

Pedro Kutney
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