“Drill baby, drill.” Assim Donald Trump, o agora favorito candidato à presidência dos Estados Unidos, usou seu discurso na convenção do Partido Republicano para inflamar seus milhões de apoiadores e mostrar seu irrestrito apoio à continuação da perfuração de poços de petróleo nos Estados Unidos e consequente queima de combustíveis fósseis, mostrando total desprezo pelas consequências disto ao planeta Terra.
Para “fazer a América grande de novo”, como discursa Trump, parece ser imprescindível que os Estados Unidos continuem a ser os maiores produtores e consumidores de petróleo do mundo.
Ainda que contrário a todos os avisos emitidos por vistosas catástrofes climáticas provocadas pelo aquecimento global, escalonado justamente pelo aumento de emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis, o discurso de Trump apenas escancara o que parece ser inevitável: o mundo vai extrair e queimar até a última gota de petróleo disponível nas profundezas da Terra enquanto isso for um negócio altamente lucrativo como é, seja para fazer funcionar motores a combustão para transporte ou para gerar energia – inclusive para alimentar carros elétricos e a hipocrisia da zero-emissão.
Apesar de todo o discurso em favor do banimento dos veículos movidos por combustão interna, o fim deles parece cada vez mais improvável. E muitas empresas já mudaram suas apostas nesse sentido, voltando a direcionar investimentos no desenvolvimento de novos motores a gasolina para veículos leves.
Combustão ainda é bom negócio
Se algumas empresas apostaram na eletrificação total e já anunciaram que vão parar de produzir carros a combustão na próxima década, já há quem veja nisso um bom negócio e está investindo bilhões para fornecer motores para estas fabricantes, sob o argumento de que elas vão precisar deles e não vão mais fabricá-los dentro de casa, pois esgotaram todos os seus investimentos para baterias e propulsores elétricos.
Com a convicção de que, no mínimo, a metade dos carros vendidos no mundo seguirá sendo movida pela combustão, seja pura ou híbrida, a Toyota recentemente desenvolveu uma nova geração de motores pequenos de alta eficiência e não descarta fornecê-los a outros fabricantes.
Na mesma linha a Stellantis faz investimentos de longo prazo em motores a combustão que, na Europa, poderão usar combustíveis sintéticos.
Há cerca de um ano o Grupo Renault e a chinesa Geely consolidaram uma associação que criou a Horse, unindo em uma empresa independente, descolada de suas marcas de origem, todas as suas operações globais de desenvolvimento e produção de motores a combustão, sistemas híbridos e transmissões.
A Horse nasceu com faturamento de € 7,4 bilhões, 19 mil empregados e dezessete fábricas no mundo todo – inclusive uma no Brasil, em área anexa à fábrica da Renault no Paraná – com capacidade para produzir 3,2 milhões de motores/ano, com objetivo de chegar a 5 milhões, podendo fornecer 85% dos tipos de propulsores a combustão utilizados atualmente.
A ideia, claro, é continuar fornecendo motores a combustão e transmissões para os dois grupos controladores, mas segundo a companhia já existem negociações para fornecer a outras marcas. Especula-se que Nissan e Honda poderão comprar motores da Horse.
Sócio árabe aposta na combustão “para sempre”
A Saudi Aramco, a estatal produtora de petróleo e derivados da Arábia Saudita que fatura US$ 500 bilhões por ano – a maior parte com a venda de óleo cru –, certamente grande interessada na longa vida dos motores a combustão, recentemente investiu € 740 milhões para comprar 10% da Horse.
Em entrevista ao Financial Times, Yasser Mufti, vice-presidente executivo da Saudi Aramco, justificou assim o negócio: “Será incrivelmente caro para o mundo eliminar completamente ou prescindir dos motores de combustão interna. Se você olhar para a acessibilidade e muitos outros fatores, acho que eles existirão por muito, muito tempo, para sempre”.
A petrolífera saudita também vem diversificando investimentos na eletrificação, biocombustíveis e sintéticos, mas projeta oficialmente que, mesmo após 2050, mais da metade dos carros no mundo vão consumir algum tipo de combustível.
Matias Giannini, CEO da Horse, como é de se esperar, sustentou previsão parecida na mesma reportagem do Financial Times: “Nós acreditamos que até 2035 e mesmo depois de 2040 ainda veremos um significativo número de veículos a combustão, mais da metade deles com certeza e acima de 60% da população ainda terá um carro com motor a combustão, seja ele sozinho ou combinado com eletrificação em carros híbridos fechados ou recarregáveis plug-in”.
Fim improvável
Apenas a União Europeia e Reino Unido ainda sustentam legislação que agenda para a próxima década o fim dos motores que queimam gasolina ou diesel, abrindo exceção para os combustíveis sintéticos, por enquanto. Mas com a redução ou fim de incentivos para compra de elétricos as vendas caem e sobem as pressões contrárias para manter a produção de veículos a combustão.
Os dois maiores mercados de veículos do mundo, China e Estados Unidos, têm políticas de eletrificação de suas frotas, mas não têm nenhuma pretensão declarada de banir completamente a combustão do cenário de seus meios de transporte.
Até mesmo na China, onde a venda de carros eletrificados dá longos saltos anuais e já chega a um terço do mercado, com força inercial para passar dos 40% em breve, modelos movidos unicamente a gasolina seguem sendo os mais vendidos, com nada desprezíveis dois terços dos emplacamentos, o que representa 9,1 milhões de carros só no primeiro semestre de 2024, contra 4,9 milhões de eletrificados no período, sendo que cerca de 40% deles são híbridos e, portanto, também utilizam motores a gasolina.
Por maior que seja o crescimento da eletrificação dos veículos no mundo todo o motor a combustão continua a ser dominante e nada indica que ele irá desaparecer, mesmo que o charmoso marketing no entorno dos carros elétricos insista em colocar esta solução como única capaz de descarbonizar as emissões dos meios de transporte.
Reversão de planos para elétricos
Em 2021, ainda em meio às disrupções da pandemia de Covid-19, não faltaram compromissos de abandono dos motores a gasolina e diesel. Algumas das maiores fabricantes mundiais como Ford, General Motors, Volkswagen e Mercedes-Benz, além de governos da União Europeia e do Reino Unido, anunciaram sua conversão total para os elétricos no horizonte de 2035 a 2040. Muita coisa mudou de lá para cá.
Diante do insucesso de seus modelos elétricos, Ford e GM já começaram a considerar que os híbridos talvez não sejam só uma solução de transição, mas algo para durar por décadas. Com esse novo horizonte, acompanhado de certa retração do crescimento do mercado de elétricos a bateria, estas empresas também começaram a reconsiderar seus investimentos na eletrificação total.
Exemplos nesse sentido começam a se multiplicar. No fim do ano passado a Volkswagen cancelou investimento de US$ 2,2 bilhões que faria em uma nova fábrica de carros elétricos na Alemanha. A GM divulgou que irá atrasar em um ano a construção de uma fábrica de picapes elétricas em Detroit, nos Estados Unidos.
Na mesma região a Ford anunciou a redução do investimento de US$ 3,5 bilhões em uma unidade de baterias a ser construída no Estado de Michigan, e este mês a empresa comunicou que vai produzir picapes a gasolina em uma planta no Canadá, revertendo o plano de construir apenas elétricos lá.
Contradição eletrizante
Nem mesmo Elon Musk, dono da Tesla e grande interessado no sucesso dos carros elétricos no mundo, parece resistir ao “drill baby, drill”, já que declarou apoio à candidatura de Trump.
Por divergência ideológica o bilionário mudou o endereço de suas empresas e da fábrica da Tesla da Califórnia para o Texas, por ironia um dos maiores estados produtores de petróleo dos Estados Unidos e onde a penetração de carros elétricos é insignificante, algo como menos de 1% das vendas, contra média nacional que caminha para os 10%.
Será que, de alguma forma, Musk resolveu ajudar a financiar a perfuração de mais poços de petróleo? Afinal, por mais contraditório que seja, os Tesla também são dependentes da energia fóssil para realimentar suas baterias.
E assim o mundo parece que vai queimar petróleo até o fim da humanidade, pois antes, certamente, estaremos todos mortos.
Foto: Pixabay
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