O destino do mercado brasileiro de veículos sempre esteve atado a dois fatores: concessão de crédito, que aumentou no último ano, e a taxa de desemprego, que caiu para 6,9%, o melhor nível dos últimos dez anos, índice muito próximo do pleno emprego, aumentando a confiança e a renda disponível para consumo.
Esta combinação positiva aqueceu as vendas no primeiro semestre acima das expectativas, mas poderia impulsionar o resultado ainda mais para o alto se não fosse pela alta taxa de juros ainda cobrada escandalosamente pelos bancos no financiamento de automóveis.
Segundo dados do Banco Central o volume de financiamentos concedidos a pessoas físicas para compra de automóveis, em junho passado, chegou a R$ 16,8 bilhões, valor que cresceu quase 40% nos primeiros seis meses de 2024.
Esta evolução mostra que os bancos estão menos avessos ao risco de conceder financiamentos, aprovando cerca de sete a cada dez pedidos, segundo a Fenabrave, que representa os concessionários. Endossa a confiança das financeiras em emprestar mais a expressiva redução da inadimplência do pagador de prestações do carro, que melhorou de 5,4% para 4,5% nos últimos doze meses.
Outro fator de redução de risco – e possível aumento das concessões de crédito – foi a aprovação, no fim do ano passado, do Marco das Garantias, que desburocratiza e torna mais rápido o processo de retomada do bem em caso de falta de pagamento do financiamento, agora sem que seja necessária a autorização judicial – algo que tornava muito cara e demorada a recuperação da garantia do empréstimo, no caso, o próprio carro financiado.
Bancos ganham mais
No entanto nada disso reduziu o excessivamente caro e inexplicável juro do financiamento no País. Embora o financiamento de carros seja um dos mais baratos do mercado em comparação com outras modalidades de crédito, a taxa média atual caiu muito pouco no último ano.
Em julho de 2023 a inadimplência dos financiamentos de veículos era de 5,4% e o juro básico do mercado financeiro, a taxa Selic, estava fixada pelo BC em 13,25% ao ano, enquanto a taxa média do crédito para compra de carros estava em 26,1% ao ano – a diferença da Selic para o juro final cobrado do consumidor, o chamado spread, era portanto de quase 13 pontos porcentuais.
Um ano depois a inadimplência caiu para 4,5%, a Selic foi reduzida em 2,75 pontos, para a 10,5%, mas a taxa média para compra de veículos não foi reduzida na mesma proporção, desceu apenas 0,6 ponto, para 25,5% ao ano, com spread de 15 pontos, ou 2 pontos maior do que na mesma época de 2023.
Ou seja: o risco e a Selic estão mais baixos, mas os bancos estão cobrando spread mais caro – e ganhando mais – pelo financiamento do que faziam um ano atrás.
A explicação mais plausível para esta distorção econômica é que há quem pague. A grande maioria dos consumidores brasileiros nunca teve educação financeira suficiente para se importar com os juros que paga, mas presta atenção apenas para a conta simples do tamanho da prestação: se couber no bolso, tudo bem.
Pode ser melhor
Com crédito mais disponível, desemprego menor e confiança do consumidor em alta, o volume de vendas de veículos leves no País surpreendeu até os mais céticos – inclusive este colunista – no primeiro semestre, com pouco mais de 1 milhão de emplacamentos e crescimento de 15,4% na comparação com o mesmo período de 2023.
A aceleração acima do esperado fez a Anfavea, que representa os fabricantes, elevar de 5,7% para 11% sua projeção de expansão do mercado este ano, enquanto a Fenabrave, que representa os concessionários, espera ainda mais: 15%, contra os 12% da estimativa elaborada em janeiro passado.
Olhando para a evolução das vendas, do crédito e dos juros a conclusão é que o mercado brasileiro de veículos poderia crescer bem mais do que o ritmo atual.
Em junho, segundo dados da B3, foram financiados 86 mil veículos leves zero-quilômetro, número 7,8% maior do que o registrado no mesmo mês de 2023, mas que representou apenas 42% dos 202,6 mil automóveis e utilitários leves vendidos no período, um porcentual ainda baixo na comparação com os cerca de 70% de 2019, por exemplo.
Como comparação, o crescimento verificado no mesmo mês foi bem maior, de 40,3%, no número de veículos financiados com mais de doze anos de uso, justamente os mais baratos, que fazem a prestação caber no bolso, mesmo com juros mais elevados.
Esta enorme diferença de desempenho nas vendas financiadas de carros zero-quilômetro e dos velhos com mais de doze anos comprova que o custo do crédito ainda é uma trava importante para a evolução do mercado de veículos novos, cada vez mais caros e sem a diluição das suaves prestações.
* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
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