Por George Guimarães | george@autoindustria.com.br

“Estamos nos divorciando. Coisas que acontecem, normal. Incompatibilidade de futuro”. Assim Ana Theresa Borsari, diretora geral da Peugeot Citroën no Brasil, explicou o fim do longo casamento de 28 anos do Grupo SHC com as marcas francesas, notificadas, no dia 9 de março, de que as quatorze revendas do empresário Sérgio Habib não mais as representarão.

AutoIndústria tentou ouvir o Grupo SHC, que se manifestou apenas por meio de nota oficial. A empresa diz somente que “está interrompendo a distribuição de veículos das marcas Citroën e Peugeot no Brasil” e que “no lugar da maioria dessas lojas, abrirá concessionárias JAC Motors, ampliando a presença da marca no País”.

Hoje a rede da chinesa JAC, da qual Habib é importador oficial, dispõe de 35 revendas entre casas nomeadas e do próprio Grupo SHC. Deve passar a 37 pontos, uma vez que algumas das atuais doze Citroën e duas Peugeot de Habib substituirão unidades da JAC já instaladas em algumas praças.

A mesma movimentação de revendas acontecerá do lado da Citroën e Peugeot, que também emitiram nota:

“Há hoje um processo de encerramento das operações comerciais das lojas Peugeot e Citroën do Grupo SHC, que ocorrerá dentro dos prazos estabelecidos pela lei. Estamos analisando nossa presença em cada uma das praças onde o Grupo atua, e nas quais já possuímos outros concessionários.  Não temos intenção de redução da rede levando em conta esse processo e a recuperação do mercado brasileiro. É importante ressaltar que, uma vez encerradas as operações comerciais do Grupo SHC conosco, nossos clientes continuarão sendo atendidos normalmente por outros pontos de nossas marcas nas praças onde ele hoje atua”.

 

“Estamos nos divorciando.

Coisas que acontecem, normal.

Incompatibilidade de futuro.”

Ana Theresa Borsari

 

 

Não se trata apenas da mera troca de representação, tão corriqueira no setor. Foi pelas mãos de Sérgio Habib, como importador oficial, que a Citroën chegou ao Brasil logo após a abertura do mercado aos produtos importados no começo da década de 1990.

O empresário foi o principal responsável pela formação da imagem da marca francesa em seus primeiros anos no País e a elevou a um nível até superior ao da própria Peugeot, revertendo o que ocorre historicamente na Europa.  Habib, por exemplo, negou-se a vender o espaçoso monovolume Citroën Picasso, primeiro carro da marca produzido no País, para taxistas.  Entendia que o modelo perderia a exclusividade.

Com a inauguração da fábrica da PSA em Porto Real (RJ) em 1998, porém, o executivo deixou a condição de importador para responder pela área comercial da Citroën brasileira, função que desenvolveu até 2008.

Já em 2009, o empresário assinou acordo para importar os automóveis da desconhecida JAC, operação que saiu do papel somente a partir de 2011. E com estardalhaço: no mesmo dia foram inauguradas cinquenta concessionárias JAC, 35 delas do Grupo SHC.

Quando Habib deixou de comandar o braço comercial da Citroën, detinha mais de 40 revendas da marca. Era, assim, como ele mesmo afirmava, o maior vendedor de Citroën em todo o mundo.

“Por conta disso, ele desfrutava de muito prestígio na matriz. Muitas vezes tratava diretamente com os responsáveis da montadora na França temas que deveriam ser encaminhados por aqui. Outras vezes, a própria matriz o convidava para discutir sobre um futuro lançamento. Isso tudo contrariava a Citroën brasileira”, afirma executivo que vivenciou esse período.

A mesma fonte afirma que o fim de relacionamento entre Grupo SHC e PSA deve-se ao encolhimento das vendas da marca no Brasil nos últimos anos e a medidas da montadora que objetivavam, de fato, cercear a atuação do empresário e forçá-lo a reduzir sua presença dentro da marca.

“A Citroën, por exemplo, passou a contar com pontos concorrentes bem menores e menos custosos em praças onde o Grupo SHC tinha estruturas gigantescas, concebidas em momentos de vendas e perspectivas muito superiores às da atual realidade do mercado”, diz o executivo.

Ele prossegue: “E é bom lembrar que a Citroën  chegou a deter 3,5% do mercado brasileiro e hoje tem 1%, sofre com ausência de produtos de volume e o C3, seu carro de entrada, deve ter um substituto somente em 2020.”

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Segundo a mesma fonte, em contrapartida a PSA culpa Habib pela imagem de que os modelos Citroën, sobretudo, têm baixo valor de revenda e custo de manutenção elevado. Tanto que há dois anos a montadora investe pesado na área de pós-venda e criou programas para valorizar o preço dos Citroën e Peugeot usados, reduzir o custo de manutenção dos veículos e ter serviços e relacionamento mais transparentes.

Por outro lado — Fora do universo das marcas francesas, o Grupo SHC, que também tem revendas Jaguar, Land Rover e Volkswagen, deve centrar suas forças mesmo na JAC. Livre desde janeiro das cotas e da alíquota de 30 pontos porcentuais do Inovar-Auto, a empresa espera vender de seiscentos a setecentos veículos mensalmente em 2018.  Desses, algo como quinhentas unidades somente do modelo T40, lançado em agosto e que em abril ganhará versão com câmbio CVT.

Outra frente ainda mais desafiadora é tirar do papel, com capital próprio, a anunciada fábrica de R$ 200 milhões em Itumbiara (GO), com capacidade para produzir até 35 mil unidades do próprio T40 e depois de mais um modelo. A ideia é inaugurar a planta no fim de 2019, mas apenas com montagem ainda de kits importados da China.

Não é a primeira vez que Habib anuncia uma fábrica de produtos JAC aqui. Já em 2011 ele apresentou projeto para  planta conjunta com a JAC Motors da China de US$ 600 milhões em Camaçari (BA). A unidade deveria entrar em operação em 2015 e teria capacidade anual instalada para 100 mil veículos.

Entrou para história como mais uma das frustrações empresariais do município baiano, que em 1996 viu o assentamento da pedra fundamental da planta da Asia Motors que não foi construída.


Fotos: Divulgação/ PSA/ AutoIndústria

George Guimarães
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